Luiz Fernando Valladão Nogueira é advogado, professor universitário e autor do Livro “Recursos e Procedimentos nos Tribunais no novo CPC” (Ed. D’Plácido)
Com o advento da Lei 13.105/2015, a qual consubstanciou o novo Código de Processo Civil, vários princípios passaram a merecer destaque acentuado. E o legislador, além de adotá-los expressamente na Parte Geral do código, deu-lhes concretude em diversas disposições posteriores.
Assim é que se justifica pontuar dois princípios: o da primazia do mérito e o da estabilização da jurisprudência. Com efeito, o código tem verdadeira obsessão pelo atingimento do mérito, sendo criticável a posição do magistrado ou tribunal que encerra o processo por obstáculos meramente formais ou, pelas mesmas razões, deixa de conhecer de recurso. Na outra ponta, os tribunais, movidos pelo aludido princípio que propõe a estabilização da jurisprudência, deverão uniformizar seus posicionamentos, sendo que terão mecanismos para dar força vinculativa às suas decisões uniformizadoras, atingindo instâncias sujeitas à sua jurisdição.
No que pertine à primazia do mérito, o código, em relação aos recursos, não deixou dúvidas: só não será conhecido o recurso, se o obstáculo for intransponível; no mais, consoante clara dicção do art. 932 par. único, deverá o tribunal permitir a correção do vício ou a complementação da documentação exigível. Pode-se ir além e afirmar que essa proposição do legislador também é programática, ou seja, o tribunal deverá privilegiar, em havendo alternativas exegéticas acerca do conhecimento do recurso, aquela que aponta ao resultado positivo. Sim, os pressupostos de admissibilidade dos recursos, embora essenciais para a segurança e isonomia processuais, não podem se transformar em armadilhas que impeçam a solução do mérito. E – vale lembrar – apenas o desate do mérito é capaz de trazer paz social, sendo que o contrário estimula os conflitos e traz descrédito ao Judiciário.
O recurso especial não foi tratado de forma diferente. De uma só vez, como se verá adiante, o legislador sepultou a criticável jurisprudência defensiva, ao permitir correções de vícios em recursos especiais que não sejam graves, exceto aquele que conduza à intempestividade (art. 1028 § 3º NCPC). Isso significa que o Superior Tribunal de Justiça deverá conhecer de recursos reveladores de teses jurídicas relevantes, e não fugir do exame meritório por razões secundárias de ordem formal. Na mesma toada, houve mudança de norte quanto ao pressuposto recursal do prequestionamento, o qual exige que o tribunal recorrido examine expressamente a matéria que se quer levar ao Superior Tribunal de Justiça. Mas e se o Tribunal se recusar em cumprir sua obrigação de examinar aquela matéria? Vinha o STJ, nesses casos, anulando os acórdãos dos tribunais de origem e obrigando-os a proceder ao exame do ponto omisso, circunstância que gerava desperdício de tempo e dinheiro, pois, depois de superado o vício, novo recurso especial teria que ser interposto, processado e julgado. Agora, o legislador dispensa essa anulação e impõe ao STJ o exame direto da matéria recursal, mesmo que o tribunal de origem não o tenha feito, bastando que o interessado faça a sua parte e provoque aquele colegiado ainda que por meio de embargos declaratórios (art. 1025 NCPC).
Quanto à estabilização da jurisprudência, o código traz relevantes modificações. Com efeito, por meio de institutos como o IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas), a Assunção de Competência, e os Recursos Especial e Extraordinários repetitivos, não se conceberá que temas pacificados por órgãos qualificados e competentes sejam aplicados de forma oposta pelos tribunais pacificadores ou mesmo pelos órgãos do Judiciário a eles vinculados. E o mais importante: se algum ato judicial descumprir aquilo que foi pacificado pelos tribunais de forma vinculativa, caberá reclamação, como regra geral, diretamente ao órgão pacificador, inclusive com possibilidade de liminar (arts. 988 e segts NCPC).
O recurso especial, de sua vez, também teve o espectro ampliado, no tocante à estabilização de jurisprudência. Sim, pela sistemática anterior, os processos só ficariam sobrestados pela pendência de julgamento de recurso na modalidade repetitiva, caso já houvesse a interposição de recurso especial. Até tal fase, mesmo estando na iminência da matéria controvertida ser pacificada pelo STJ, o processo prosseguiria normalmente, com todos os inconvenientes daí advindos. Agora, o código determina a suspensão de todos os processos, inclusive dos que estejam tramitando na 1ª instância, que versem idêntica matéria, até a pacificação pelo STJ. E, uma vez pacificada, aplicar-se-á o posicionamento do STJ àqueles processos que estavam sobrestados, o que significará isonomia, ou seja, jurisdicionados receberão o mesmo tratamento em casos idênticos.
O que se espera pelo presente artigo é estimular as reflexões de todos nós, sempre com o propósito de contribuir para a implementação de uma prestação jurisdicional célere, eficiente e prática.