Publicado em 30/06/2021, via STJ
A previsão de diferença mínima de 16 anos entre o adotante e o adotado, fixada no artigo 42, parágrafo 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não se constitui como uma norma de natureza absoluta, mesmo porque o próprio ECA, em seu artigo 6º, prevê que as normas do estatuto devem ser interpretadas com base nos fins sociais a que se dirigem, nos direitos individuais e coletivos, e na condição peculiar da criança e do adolescente. Assim, a partir da análise de realidade concreta de cada caso, é possível que a regra geral seja flexibilizada, permitindo a adoção quando a diferença etária for menor do que a prevista em lei.
O entendimento foi estabelecido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que havia negado o acolhimento de petição inicial de adoção por entender que, como a diferença de idade entre o adotante e o adotado seria de apenas 13 anos, não seria possível a adoção.
Relator do recurso especial, o ministro Marco Buzzi apontou que, no caso dos autos, o pedido de adoção está fundamentado na longa e consolidada relação de paternidade socioafetiva entre o padrasto e o enteado, o qual está sob sua guarda de fato desde os dois anos de idade. O adotante é casado com a mãe biológica do enteado, e o pai biológico dele é desconhecido.
Realidade fática se sobrepõe à limitação etária
Segundo o ministro, ao fixar a diferença mínima de 16 anos, o objetivo do legislador foi o de tentar reproduzir as características da família biológica padrão, além de coibir o uso da adoção para interesses impróprios.
Entretanto, o relator destacou que a limitação etária não pode se sobrepor a uma realidade fática que, se não permite o imediato deferimento do pedido, justifica pelo menos o regular processamento da ação de adoção – processo em que, após a colheita de provas, serão apuradas as reais vantagens para o adotando e os motivos legítimos do ato.
Além disso, Marco Buzzi enfatizou que o STJ, exatamente em atenção à prevalência do interesse do menor, tem reconhecido em diversas ocasiões o abrandamento das regras previstas pelo ECA, como no caso de adoção avoenga e a adoção por pessoas não inscritas no Cadastro Nacional de Adoção.
No caso dos autos, o magistrado ainda destacou que o pedido de adoção, além de estar baseado na convivência paterna entre o adotante e o adotado, foi apresentado para garantir que o menor pudesse ter acesso aos mesmos benefícios a que os filhos biológicos do guardião têm direito, como a inscrição como beneficiário do plano de saúde profissional do pai.
“Dessa forma, levando-se em conta que a situação a qual se busca dar guarida jurídica, em tese, segundo apontado na exordial, já se encontra, de há muito, consolidada no tempo e, reiterando-se que o caso é de adoção unilateral – onde o adotante pretende reconhecer como seu filho o enteado, irmão da prole formada pelo casal –, entende-se que a regra atinente à diferença mínima de idade entre adotante e adotando deve ceder passo à perquirição das reais vantagens para o adotando e dos motivos legítimos para tal promoção”, concluiu o ministro ao reformar o acórdão do TJDFT e determinar o regular prosseguimento da ação de adoção.
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