Crimes Ambientais e o Princípio da Legalidade Estrita (Enfoque Especial ao Artigo 38 da Lei nº 9605/98 e o Termo “Floresta”, bem como ao Artigo 40 e o Dano aos Parques Estaduais e Municipais)

Elisabeth França da Silva  (advogada , coordenadora da área de direito penal da Valladão Sociedade de Advogados)

1 Introdução

O presente estudo objetiva examinar os crimes ambientais tipificados na Lei nº 9605/98, sob a ótica do princípio da legalidade estrita.

Analisar-se-á, especificamente, a ausência de conceito para a expressão “floresta”, inserida no artigo 38 da referida lei, bem como a omissão, no artigo 40 da mesma lei, da referência à proteção aos parques estaduais e municipais.

Para o alcance desse objetivo, primeiramente, faz-se mister uma digressão sobre os crimes ambientais de maneira geral, bem como uma breve explanação acerca do princípio da legalidade estrita no direito penal e a consequente proibição do uso da analogia.

Por fim, será examinada a forma como estas falhas legislativas podem repercutir na subsunção do fato aos tipos penais em questão, bem como a necessidade de supri-las por meio da doutrina, da jurisprudência, ou até mesmo de uma reforma legislativa.

Os crimes ambientais

Para melhor compreensão do que vem a ser um crime ambiental, vale lembrar, ainda que rapidamente, dos conceitos de crime e meio ambiente.

Na lição de Damásio de Jesus[1], tem-se que o conceito material de crime é “a violação de um bem penalmente protegido” e, sob o aspecto formal, o crime é definido como um “fato típico e antijurídico”.

Neste diapasão, para que a tipicidade ocorra, faz-se mister o enquadramento de um fato concreto a uma norma penal. Já a antijuridicidade se dá diante da contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico.

De outro lado, preleciona José Afonso da Silva[2] que:

Meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora, enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam. É este o aspecto do meio ambiente que a Lei n. 6.938, de 31.8.1981, define, em seu art. 3°, quando diz que, para os fins nela previstos, entende-se por meio ambiente o conjunto de condições, leis, influencias e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Logo, conclui-se que crime ambiental é qualquer dano ou prejuízo causado aos elementos que compõem o meio ambiente, tutelados pelo ordenamento jurídico.

Neste contexto, foi editada, em 13 de fevereiro de 1998, a Lei nº 9.605, apelidada de lei dos crimes ambientais, a qual trouxe uma série de novidades acerca da repreensão à degradação ambiental.

Em síntese, a Lei nº 9.605/98 define como crimes ambientais os atentados contra a fauna, a flora, o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, a administração ambiental, bem como a poluição acima do nível estabelecido por lei, conforme se confere no quadro abaixo:

 

CRIMES CONTRA A FAUNA Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.

Art. 30. Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade ambiental competente..

Art. 31. Introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente..

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Art. 33. Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras.

Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente.

Art. 35. Pescar mediante a utilização de:

I – explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante;

II – substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente.

CRIMES CONTRA A FLORA Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção..

Art. 38-A.  Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção.

Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente.

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização.

Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta.

Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano.

Art. 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais.

Art. 45. Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo com as determinações legais.

Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento.

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação.

Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia.

Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação.

Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente.

Art. 51. Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente.

Art. 52. Penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade competente.

POLUIÇÃO E OUTROS CRIMES AMBIENTAIS Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.

Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.

Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes.

Art. 61. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas.

CRIMES CONTRA O ORDENAMENTO URBANO E O PATRIMÔNIO CULTURAL Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial.

Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida.

Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida.

Art. 65.  Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano.

CRIMES CONTRA  A ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL Art. 66. Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental.

Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público.

Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental.

Art. 69. Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais.

Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão.

O princípio da legalidade estrita no Direito PenalProibição do uso da analogia para ampliação conceitual dos tipos penais

A respeito do princípio da legalidade, Alexandre de Moraes[3] ensina que:

O art. 5, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressões da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei. Conforme salientam Celso Bastos e Ives Gandra Martins, no fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular, a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma ou outra via que não seja a da lei […].

Conclui-se, daí, que o princípio da legalidade é o norteador de toda a ciência jurídica.

Notadamente no Direito Penal, o princípio da legalidade está inserido no artigo 1º do Código Penal Brasileiro e deriva do comando constitucional segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem prévia cominação legal” (art. 5º XXXIX CF/88).

Conforme ensina Rogério Greco[4], a lei penal, no intuito de preservar a legalidade e a segurança jurídica, deve ser prévia, escrita, certa e estrita. Ao ser prévia, obsta a retroatividade in pejus; ao ser escrita, evita a utilização do costume incriminador; ao ser certa, acata o princípio da taxatividade, impedindo que sejam encaixadas condutas estranhas aos tipos penais; ao ser estrita, proíbe a ampliação conceitual dos dispositivos incriminadores.

Como não podia deixar de ser, o princípio da legalidade tem, no Direito Penal Ambiental, a mesma força que possui no direito penal comum.

Isto significa que as condutas tidas como criminosas pela legislação ambiental devem se revestir dos mesmos atributos de determinabilidade e certeza que permeiam todos os tipos penais.

É que, conforme já explicitado, em matéria penal, as normas incriminadoras devem ser interpretadas restritivamente, sendo defeso, inclusive, o uso da analogia.

Segundo Fernando Capez[5], a analogia “consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulamentada por lei disposição relativa a um caso semelhante. Na analogia, o fato não é regido por qualquer norma e, por essa razão, aplica-se uma de caso analógico”.

O autor afirma, ainda, que “a aplicação da analogia em norma penal incriminadora fere o princípio da reserva legal, uma vez que um fato não definido em lei como crime estaria sendo considerado como tal. […] Nesse caso, um fato não considerado criminoso passaria a sê-lo, em evidente afronta ao princípio constitucional do art. 5°, XXXIX da Constituição Federal (reserva legal)”.

Conclui-se, daí, que o princípio da legalidade estrita impede eventual aumento da abrangência das normas penais, tendo em vista que sua não observância concederia ao jurista o poder de definir crimes e penas não concebidas pelo legislador.

A ausência de definição para o termo “floresta”, inserto no art. 38 da Lei nº 9605/98 e a imprescindibilidade de sua conceituação em face do princípio da legalidade estrita

Dispõe o art. 38 da Lei nº 9.605/98 que configura crime ambiental “destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção” (g.n.).

Analisando-se o referido tipo penal, nota-se o elemento normativo “floresta”, como objeto material do crime em questão.

Acontece que a legislação ambiental não cuidou de conceituar tal termo.

E, como visto acima, não se pode proceder à criação ou ampliação dos elementos normativos que compõem os dispositivos incriminadores, sob pena de violação do princípio da legalidade estrita.

No caso do termo em questão, a ausência de um conceito traz como consequência a subsunção de casos de destruição ou danificação de quaisquer formas de vegetação, o que configuraria o uso da proibida analogia[6].

Portanto, em razão do grave silêncio legislativo, é necessário buscar a limitação do vocábulo em apreço na doutrina e jurisprudência.

Com efeito, doutrinadores e julgadores são unânimes em designar o termo floresta como vegetação cerrada, composta de árvores de grande porte.

De fato, afirma o doutrinador Luiz Régis Prado que floresta “é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa[7].

É o que se encontra também na jurisprudência do STJ:

O elemento normativo `floresta’, constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Dessa forma, não abarca a vegetação rasteira. [8]

Conclui-se, portanto, que, para que a conduta disposta no art. 38 da Lei nº 9.605/98 seja considerada criminosa, o objeto material do crime, ou seja, a floresta, deverá ser composta de vegetação cerrada, que cobre uma grande extensão de terras e é composta por árvores de grande porte, não sendo considerado criminoso, nos termos do referido dispositivo, o dano ocorrido em qualquer outra espécie de vegetação.

As conseqüências da omissão, no § 1º do artigo 40 da Lei nº 9605/98, da referência à proteção aos parques estaduais e municipais, em face do princípio da legalidade estrita

caput do artigo 40 da Lei nº 9605/98 determina que será criminosa a conduta que “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização”.

E, de acordo com o parágrafo primeiro do dispositivo legal citado, “entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre” (g.n).

Note-se que o legislador tratou de determinar a abrangência do termo “unidades de conservação”, frisando que os parques tutelados são os chamados nacionais.

É importante dizer que a Lei nº 9985/00, a qual instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, dispõe que:

Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

[…]

4oAs unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal. (g.n.)

Tem-se, ainda, que:

Os parques constituem unidades de conservação, terrestres e/ou aquáticas, normalmente extensas, destinadas à proteção de áreas representativas de ecossistemas, podendo também ser áreas dotadas de atributos naturais ou paisagísticos notáveis, sítios geológicos de grande interesse científico, educacional, recreativo ou turístico, cuja finalidade é resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para objetivos científicos, educacionais e recreativo. Assim, os parques são áreas destinadas para fins de conservação, pesquisa e turismo. Podem ser criados no âmbito nacional, estadual ou municipal, em terras de seu domínio, ou que devem ser desapropriadas para esse fim[9] (g.n.)

Como se vê, a própria lei distingue o Parque Nacional dos Estaduais e Municipais, de acordo com o ente federativo responsável por sua criação.

Neste contexto, conclui-se que o legislador foi omisso, ao suprimir do § 1º do artigo 40 da Lei nº 9605/98, as expressões Parque Estadual e Parque Municipal.

Portanto, extrai-se da interpretação da referida norma duas hipóteses: ou se considera que estes ecossistemas não estão tutelados pela lei de crimes ambientais; ou se amplia o conceito de unidades de conservação apresentado pelo legislador, inserindo-se por analogia a proteção aos parques estaduais e municipais.

Entretanto, como já visto, o Direito Penal não admite o uso da analogia para ampliar o espectro de abrangência dos tipos penais[10].

Vale a pena destacar que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, tratando de assunto relacionado ao tema, decidiu, de forma isolada, em sede de Habeas Corpus, que “o dano a Parque Estadual está tutelado no âmbito do artigo 40 da Lei 9.605⁄98, que prevê como crime o dano às Unidades de Conservação, sejam de Proteção Integral, sejam de Uso Sustentável”[11].

Contudo, no precedente citado, o objeto material do crime é o Parque Estadual da Serra do Mar, o qual é considerado, pela Constituição Federal, um patrimônio nacional.

Inclusive este foi o argumento usado pelo acórdão, para fundamentar a decisão que denegou a ordem de habeas corpus,impetrado em favor do suposto causador do dano ao ecossistema acima referido.

Com efeito, consta do voto que:

Quadro empírico, esse, suficientemente documentado, que sinaliza, ao menos em tese, a prática do delito do artigo 40 da Lei 9.605/98. Valendo lembrar que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”; sendo certo, ainda, que “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar [bem jurídico tutelado na concreta situação dos autos], o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais” (caput e § 4º do artigo 225 da CF/88, sem destaques no original). Tudo a impossibilitar o encerramento prematuro da persecução criminal.

Como se vê, tal precedente trata de um caso específico, em que o ecossistema atacado, em que pese ser um Parque Estadual, é considerado pela Constituição Federal um patrimônio nacional.

Ora, isto significa que a corte suprema ainda não enfrentou a matéria, consubstanciada na taxatividade da lei, que define expressamente como unidades de conservação apenas os parques nacionais (§ 1º art. 40 Lei nº 9605/98).

É que a situação do Parque Estadual da Serra do Mar, protegido pela Constituição Federal, é distinta dos demais parques estaduais e municipais, que não encontram abrigo na lei.

Logo, o referido precedente não é capaz de corrigir a atecnia legislativa, referente à ausência dos termos parque estadual e municipal da lei.

Desta forma, conclui-se que, pelos menos em tese, tendo em vista a taxatividade da lei, os referidos ecossistemas estariam destituídos da tutela jurisdicional.

Conclusão

O presente estudo revelou uma atecnia legislativa, mostrada sob dois aspectos, os quais, se não observados, violam o principio da legalidade estrita.

Pois bem, com relação à ausência, na lei, de um conceito para o termo “floresta”, inserto no art. 38 da Lei nº 9605/98, torna-se imprescindível que o jurista observe a conceituação doutrinária e jurisprudencial do vocábulo, a fim de que se limite o objeto material do crime. É que, sob a ótica do princípio da legalidade estrita, não pode o tipo penal em comento ser flexibilizado, para estender a tutela penal ambiental a toda e qualquer forma de vegetação, situada em área de preservação permanente.

Já com relação à omissão do legislador, que suprimiu os termos Parque Estadual e Parque Municipal, quando determinou a abrangência das unidades de conservação no § 1º do artigo 40 da Lei nº 9605/98, a solução é a alteração do texto da lei, com a inserção dos termos omitidos.

Isto porque, em que pese ser visível a intenção do legislador, no sentido de abranger todos os parques existentes no território nacional, não cabe ao jurista, em virtude do princípio da legalidade estrita, que pressupõe, também, a taxatividade do tipo penal, ampliar o conceito de parque nacional, para que se alcance os parques estaduais e municipais.

Vale repetir que a própria lei diferencia os três ecossistemas, classificando-os de acordo com o ente federativo que o cria.

Neste contexto, acredita-se que os pontos aqui declinados deverão ser observados pelos operadores do direito, a fim de se preservar o princípio da legalidade estrita, já que referido princípio constitui um verdadeiro mecanismo limitador das ações do Estado e um pilar do garantismo penal.

Referências

BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm> Acesso em: 01 novembro 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Vol. 1 -14ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. 641 p.

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DINO NETO, Nicolao; BELLO FILHO, Ney; DINO, Flávio. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. 492 p.

FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Projeto do código florestal no senado e suas consequências. Disponível em http://www.observatorioeco.com.br/projeto-do-codigo-florestal-no-senado-e-suas-consequencias/. Acesso em 30/11/2012.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 532 p.

GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Crimes Ambientais: comentários à Lei 9.605/98 (arts. 1º a 69-A e 77 a 82). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. 317 p.

MARCÃO, Renato. Crimes Ambientais (Anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 9.605, de 12-2-1998). São Paulo: Saraiva, 2011. 607 p.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. 1647 p.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

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SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 452 p.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 362 p.

[1]JESUS, Damásio de. Direito Penal. São Paulo:Saraiva, 1998

[2]SILVA, José Afonsoda.Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009

[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1997

[4]GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- Rio de Janeiro: Impetus,2004

[5] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2008

[6]O crime do artigo 38 da Lei 9.605/1998 exige que a área desmatada seja de floresta de preservação permanente, mesmo que em formação. Se o acusado promoveu a aração em área considerada de preservação permanente, causando a supressão de vegetação rasteira, o crime não se caracteriza, pois, como cediço, não há como adotar no Direito Penal uma extensão analógica do termo floresta para abarcar outras formas de vegetação, sob pena de violação ao princípio da legalidade. (TJMG – Apelação Criminal nº 1.0701.10.035380-7/001 – Rel.: Des. Flávio Leite – DJ 21/03/2013)

[7]PRADO, Luiz Régis. Crimes contra o meio ambiente, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998

[8] STJ, Habeas Corpus nº 74.950/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 10/09/2007

[9] Disponível em: http://fflorestal.sp.gov.br/unidades-de-conservacao/parques-estaduais/parques-conceito/

[10] A aplicação da analogia em norma penal incriminadora fere o princípio da reserva legal, uma vez que um fato não definido em lei como crime estaria sendo considerado como tal. […] Nesse caso, um fato não considerado criminoso passaria a sê-lo, em evidente afronta ao princípio constitucional do art. 5°, XXXIX da Constituição Federal (reserva legal). (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2008)

[11] STF – HC nº 95154 – Rel. Min. Ayres Brito – DJ 13/09/2012