A Supressão de Vantagens Pessoais Concedidas aos Servidores Públicos

Luiz Fernando Valladão Nogueira* e Fernando Gualberto Scalioni **

É corriqueiro, na administração pública, a concessão, e posterior supressão, de vantagens pessoais (gratificações ou adicionais) pagas aos servidores, em decorrência de uma situação de trabalho excepcional, sempre mediante edição de Lei específica para tais finalidades.
Ocorre que, muitas vezes – ainda que por conveniência administrativa, sejam tomadas providências legais para a supressão de tais pagamentos – em determinadas situações as referidas vantagens continuarão sendo devidas aos servidores que as percebiam, por força do chamado “direito adquirido”.
Segundo o ilustre Caio Mário da Silva Pereira, os direitos adquiridos são aqueles “definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem” (Instituições de Direito Civil).
A impossibilidade de novel legislação atingir o Direito Adquirido emana da própria Constituição de 1988 (art. 5º, XXXVI), bem como da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 6º), as quais, de forma muito similar, estabelecem que “a lei não prejudicará o direito adquirido”.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, interpretando os referidos artigos no que tangem às vantagens pessoais concedidas aos servidores públicos, corriqueiramente reconhece a existência de “direito adquirido à percepção de gratificação, incorporada ao patrimônio segundo a legislação que a instituiu, embora posteriormente revogada pelo advento de nova norma” (AgRg no AI 159.230).
O que se tem, então, é que, ainda que o Poder Público aja no sentido de tentar suprimir as vantagens pessoais já concedidas aos seus servidores, por meio da revogação da Lei que as instituiu, existe, para aqueles que já percebem tais vantagens, o direito adquirido às mesmas.
Frise-se que o mesmo STF já definiu que a expectativa de direito transmuta-se em direito adquirido no momento em que preenchidos todos os requisitos para sua percepção, ao definir que, “para a aquisição do direito, ou seja, para o ingresso deste no patrimônio do pretenso titular, seria mister que, antes da revogação (da lei que instituiu a vantagem), se houvessem reunido e consumado todos os elementos, isto é, os fatos idôneos à sua constituição ou produção” (MS 21.216/DF)
Fato relevante, no entanto, é que o servidor não possui direito adquirido à vantagem pessoal em si, mas apenas ao valor que a mesma acrescenta ao seu vencimento base.
Isso porque o STF, com base no princípio da Irredutibilidade dos Vencimentos (Art. 37, XV, da CRFB/88), consolidou que “não há direito adquirido a regime jurídico-funcional pertinente à composição dos vencimentos (…), desde que eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração, não acarretando decesso de caráter pecuniário” (AgRg no RExt 686.731/DF)
Ou seja: somando-se o direito adquirido ao valor da vantagem pessoal já incorporada aos vencimentos com o princípio da Irredutibilidade dos mesmos, determinado expressamente pela constituição, tem-se que o Poder Público só pode se abster de pagar vantagem já concedida se, por meio da concessão de outra (gratificação ou adicional), ou efetiva majoração do vencimento base, manter o valor nominal da remuneração global dos servidores que a percebiam.
Importa salientar que, segundo lição de Carvalho Filho, a Irredutibilidade de Vencimentos “deve levar em consideração o vencimento básico do cargo e as parcelas incorporadas, que passam, na verdade, a integrar a parcela básica”, não se incluindo na referida garantia “os adicionais e as gratificações devidos por força de circunstâncias específicas e muitas vezes de caráter transitório” (Manual de Direito Administrativo).
Isso quer dizer que não se aplica a irredutibilidade, bem como o instituto do direito adquirido, àquelas vantagens chamadas pro labore faciendo, ou seja, pagas, individualmente a determinados servidores, em contrapartida a uma situação excepcional de trabalho ou desempenho. As vantagens albergadas pela irredutibilidade são aquelas definitivas, de valor fixo, que incorporam efetivamente o vencimento base dos servidores que a elas fazem jus, pagas em contrapartida a situações também definitivas, como a majoração (facultativa) da carga horária de trabalho, o acréscimo de atribuições do cargo, a determinação de lotação específica do servidor, entre outras.
Em casos tais, o Poder Público não pode, ainda que por meio de edição de Lei, suprimir o pagamento da vantagem sem instituir compensação pecuniária equivalente, causando decréscimo na remuneração dos servidores. Caso isso ocorra, cabe ao servidor buscar junto ao Poder Judiciário, inclusive por Mandado de Segurança, a proteção do seu direito, garantido por força do art. 5º, XXXVI (garantia ao direito adquirido) e do art. 37, XV (princípio da irredutibilidade dos vencimentos) da Constituição.

* advogado, procurador do Município de Belo Horizonte, Professor de Direito Processual Civil no curso de Direito da FEAD, professor em Cursos de Pós Graduação, Autor dos Livros Recurso Especial (3ª ed) e Recursos em Processo Civil (ed. Del Rey).
**Advogado no Escritório Valladão Sociedade de Advogados, pós-Graduando em Direito Público pela PUC-MG

Artigo publicado no jornal Diário do Comércio, no dia 12 de Novembro, 2014.