Luiz Fernando Valladão Nogueira e Lucila Carvalho Valladão Nogueira
Não são raras as situações em que o casal, diante da intensa animosidade no relacionamento, decide pela imediata separação de fato ou mesmo sua formalização por meio da decisão judicial de separação de corpos. Entretanto, o patrimônio eventualmente construído em conjunto precisa, também, de um destino.
A soluçãovirá com a partilha dos bens do casal. Todavia, ela não é automática. Durante o período em que está pendente a divisão dos bens, pode acontecer de todo o patrimônio comum ficarsob a posse de um dos cônjuges.E, para evitar o seu enriquecimento sem causa decorrente da fruição isolada dos bens, é preciso determinar o pagamento, para o outro, de uma pensão alimentícia sui generis.
Diz-se sui generis, porque, diferente dos alimentos notoriamente previstos no art. 1694 do Código Civil, neste caso, não se discute a necessidade de quem pleiteia ou as possibilidades de quem pagará a verba, ou mesmo o padrão de vida experimentado pelas partes, mas leva-se em conta, tão somente, o dado objetivo referente à posse exclusiva dos bens comuns por um dos cônjuges.
Não é, na realidade, dever decorrente da mútua assistência (como nos alimentos civis e naturais). É, sim, a antecipação dos efeitos da futura partilha, pois, ao garantir a entrega de uma renda líquida ao consorte desprovido da posse dos bens, o legislador acabou por garantir, processualmente, a eficácia da partilha.
A base jurídica para esses alimentos, então,é o próprio arcabouço legal sobre o regime de bens, o qual trata da comunicação e partilha patrimonial (art. 1658 Código Civil). E, de outro lado, considera-se os mecanismos processuais de antecipação da tutela judicial, que são aplicados, inclusive, quando há manifesta intenção de protelação de uma das partes.
Vale dizer, quanto ao tema em discussão, que, além de evitar inadmissível desigualdade ente os cônjuges, este instituto (por alguns chamados de alimentos compensatórios) desestimula a criação de empecilhos por uma das partes à efetiva realização da partilha de bens.
Há previsão sobre o assunto, inclusive, no art. 4°, p. único da Lei de Alimentos, o qual, embora trate apenas do regime de comunhão universal de bens, aplica-se a todos os casos em que há bens comuns, tendo em vista ulteriores modificações legislativas.
O fato é que esse instituto, independente da nomenclatura usada, importa em mais um avanço na efetividade das normas. De fato, de nada adianta um dos cônjuges ser meeiro dos bens do casal, se, ao receber a sua quota-parte após longo e desgastante processo judicial, já foi prejudicado pela utilização e percepção dos frutos apenas pelo outro que estava na posse isolada. Imagine-se, por exemplo, a hipótese em que um dos cônjuges fica na posse exclusiva das quotas de determinada sociedade; ora, ao ser efetuada a partilha, terá havido o transcurso de longo tempo durante o qual apenas aquele cônjuge terá recebido as possíveis distribuições de lucro, em manifesto prejuízo ao que ficou privado da posse.
Tendo em vista, porém, que tal verba não tem aquele caráter emergencial e de manutenção da própria subsistência de seu recebedor, a exigibilidade da mesma, embora deva ocorrer judicialmente, não se dará pelo meio drástico que pode culminar na prisão civil do devedor (art. 732 CPC).
Seja como for, trata-se de clara demonstração de que a jurisprudência, atenta à dinâmica da vida e ao comportamento dos litigantes, considera eficazes e válidos institutos que objetivam mitigar as desigualdades no plano fático e processual.
Artigo publicado no jornal O Tempo, de 25/10/2014.