Lucila Carvalho Valladão Nogueira – advogada, pós-graduanda em Direito de Família e integrante da Valladão Sociedade de Advogados.
A cultura da judicialização é difundida entre os estudantes de direito desde os primeiros anos da formação acadêmica. A consequência direta disto é a criação de profissionais que vêem o litígio como a única – ou a mais fácil – forma de resolver o problema trazido pelo cliente. Criam-se, então, por meio do processo, não apenas partes, mas verdadeiros adversários, prontos para o embate, que poderá ser solucionado apenas pelo juiz.
Entretanto, a latente morosidade e o descrédito da prestação jurisdicional levam-nos a buscar, sobretudo no direito de família, um mecanismo alternativo, que traga maior agilidade na solução dos litígios.
É aí que se insere a ferramenta da mediação, por meio da qual os envolvidos são chamados a submeter a entidade familiar a um verdadeiro tratamento, em que o mediador irá resgatar o laço de afeto, carinho e respeito que existia naquele casal, restabelecendo os canais de diálogo e solidariedade.
Diferente dos outros ramos do direito, aquele que trata das famílias precisa estar atento não só aos aspectos materiais e jurídicos do caso, mas, além disto, deve levar em consideração as implicações periféricas e subjetivas do conflito daquela família, sejam eles de ordem social, psicológica, pedagógica, financeira etc.
Os conflitos dos casais solucionados pelas vias judiciais não têm todos os seus aspectos verdadeiramente solucionados. É que, por detrás da sentença que decreta o divórcio, com a partilha, a guarda dos filhos e a pensão alimentícia, existe uma família desestruturada, cujos membros estão com os corações aflitos e cheios de questionamentos.
O principal objetivo do mediador, então, é impulsionar o retorno do diálogo na família, muitas vezes perdido após as inúmeras discussões e desentendimentos. Somente a partir disto é que qualquer decisão – mesmo que seja para manter o divórcio – poderá ser tomada e construída por eles próprios, a partir de longas conversas, e não imposta pelo Estado.
Caso assim não seja procedido, cedo ou tarde, este mesmo casal retornará ao judiciário, para rever a pensão alimentícia, a guarda ou o direito de visitação. Isto se dá, justamente, porque a decisão não foi construída pelo casal, mas, sim, pelo juiz. Na prática, advogados lidam, diariamente, com ações que tratam dessas questões.
Vale lembrar que o mediador não sugere solução, não induz e nem tampouco decide o que será feito – difere, em muito, da conciliação. A sua função é exercitar o poder de escuta das partes, para que a compreensão do outro seja maior e, por decorrência, seja possível chegar a um ponto comum.
Atualmente, inexiste no nosso ordenamento legislação que trate da mediação, do seu procedimento ou pressupostos. Por conta disto, hoje, ela é exercida por particulares (dentre eles, vários advogados), em seus próprios escritórios, os quais adotam o procedimento que achar conveniente – baseados em doutrina ou legislação estrangeira, dividindo suas técnicas em sessões, que podem ocorrer com periodicidade variada.
Embora tenhamos notícia de vários projetos de lei que já tentaram aprovação no Legislativo, destaca-se o novo Código de Processo Civil, o qual, no capítulo que trata dos “Auxiliares da Justiça”, inclui os mediadores judiciais, inexistentes no atual Código.
O art. 166 §4° do projeto estabelece que “o mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.”
Tal acréscimo representará grande avanço para a mediação, pois será prevista, expressamente, como forma alternativa da solução do litígio. A preocupação, entretanto, repousa na qualidade e no funcionamento dessa mediação judicial.
Ora, não se pode olvidar que a essência do instituto é o tratamento unificado e diferenciado para cada uma das famílias, que participarão de sessões gradativas, com tranquilidade e absoluta pessoalidade.
Acontece que, como sabemos, o Poder Judiciário está abarrotado de demandas, sendo – devida ou indevidamente – intensamente cobrada a produtividade pelo CNJ. Essa situação caótica, inevitavelmente, impedirá que o trabalho dos mediadores seja feito com a cautela e paciência necessárias, frustrando um acordo que possivelmente seria realizado.
Essa alteração legislativa, portanto, muito embora traga significativa evolução para a mediação, pois positivará o instituto, exigirá do Poder Judiciário uma reformulação estrutural, mormente nos litígios familiares. Apenas agindo dessa forma, tal mecanismo não perderá seu principal sentido, que não é apenas firmar acordos (como na conciliação), mas, sobretudo, proporcionar uma segunda chance à entidade familiar que já havia se desestruturado.
Lucila Carvalho Valladão Nogueira – advogada, pós-graduanda em Direito de Família e integrante da Valladão Sociedade de Advogados.