Luiz Fernando Valladão, Advogado, Professor Universitário e Coordenador e coautor do Livro “Divórcio” (ed. Del Rey).
Lucila Carvalho Valladão Nogueira, advogada no Valladão Sociedade de Advogados e Pós-graduanda em Direito de Família.
A possibilidade de alteração de regime de bens, desde que atendidas as condições do artigo 1.639 § 2º, foi uma grande inovação no Código Civil de 2002. Convém ponderar, porém, sobre a inadequada exigência legal de que haja “pedido motivado de ambos os cônjuges”.
Sabe-se que a tendência do direito de família é reduzir a interferência estatal nas relações de particulares, consagrando a autonomia privada e garantindo a busca da felicidade e da realização pessoal. Exemplo disso foi a Emenda Constitucional n° 66/10, responsável pela extinção da separação judicial. A partir daí, basta que uma das partes demonstre o interesse pelo divórcio para que o Poder Judiciário declare-o, independente do motivo e de qualquer lapso temporal.
O escopo de tal mudança foi, justamente, o de reduzir a intervenção estatal na vida particular, conferindo ao julgador o papel, tão somente, de apreciar as consequências jurídicas do divórcio (partilha, guarda, alimentos etc), e não mais investigar a vida íntima dos cônjuges.
Tal raciocínio, a nosso ver, também deve ser aplicado nas pretensões de modificação do regime de bens. Isto é, uma vez apresentado o simples interesse dos cônjuges (o pedido deve ser, necessariamente, formulado em conjunto pelos cônjuges, pois o consenso é da essência do instituto) e inexistindo prejuízos a terceiros, o Poder Judiciário não pode negar a pretensão.
É que a questão do regime de bens é uma escolha a ser feita apenas pelos cônjuges (salvo, evidentemente, as hipóteses do art. 1641 CC – separação obrigatória), e as respectivas consequências (bens particulares ou comuns) recairão apenas sobre eles. É, na verdade, assunto de natureza privada, atinente à vida íntima e à livre autonomia das partes, que não merece intervenção ativa do Estado.
Questionamos então, se exigir o “pedido motivado” não seria uma forma de o Poder Judiciário interferir, indevidamente, na vida particular dos nubentes.
Ora, se o Estado foi afastado da discussão sobre o fim do casamento (apuração da culpa e análise da conveniência do divórcio), também deve sê-lo quanto ao regime patrimonial eleito pelo casal. Cabe a ele, apenas, verificar o respeito ao interesse de terceiros, que não poderão ser prejudicados.
A perquirição a respeito do real motivo da mudança pode acarretar situações de desnecessário constrangimento, como se deu, por exemplo, em precedente do Eg. TJMG – Processo n° 1.0183.07.122147-1/002 (rel. Des. Vieira de Brito), em que alteração do regime foi deferida para que fosse preservada a imagem do casal. Naquele caso, as partes sustentaram que sofriam abalos à estrutura familiar, provocados por interferência de terceiros, que insinuavam ter o casamento das partes objetivo essencialmente patrimonial, por uma delas provir de família abastada e, a outra, nem tanto.
Caso o “pedido motivado” não fosse requisito essencial à modificação, este casal estaria dispensado de passar pelo desconforto de comprovar a incômoda situação ao Judiciário. Para que se evite situações como essa, defendemos, então, a partir de uma interpretação coerente com outras recentes mudanças legislativas – sobretudo a EC 66/10 –, o ponto de vista no sentido de que se considera justo motivo, para efeito de alteração do regime de bens, a própria vontade dos cônjuges livremente manifestada em tal sentido. Essa leitura do texto legal se adequa, enfim, ao desejo de que haja uma menor intromissão do Estado na intimidade da vida das pessoas, permitindo-lhes o exercício do livre arbítrio.
Publicado no Jornal Estado de Minas, dia 22/03/2014, Caderno Opinião.