Luiz Fernando Valladão – Advogado, Professor Universitário e Coordenador da Obra Paternidade e Alimentos (ed. Del Rey).
Com o advento da Lei 12010/09, o nosso legislador optou por estabelecer procedimentos rígidos para a adoção, ao ponto de elevar o tal cadastro de crianças e adolescentes e de pretendentes à adoção a algo sacramental. Isso significa que, salvo situações excepcionais expressas na lei, a ordem cronológica das “habilitações” não poderá ser ignorada. Em outras palavras, a lei tornou clara a impossibilidade da chamada adoção direcionada, que se dá naquela situação em que, por exemplo, a mãe biológica, sem qualquer vantagem financeira ou de outra natureza, entrega seu filho para determinado casal que ela acredita ter mais afinidade com o mesmo.
O objetivo do legislador, de certa forma, é correto, pois objetiva resgatar o espírito altruísta da adoção, no sentido de que o pretendente “receberá” o menor que estiver na tal lista ou cadastro, sem direito a escolha da cor dos olhos ou pele, por exemplo. Valoriza-se com isto a nobreza do ato de acolhimento, em detrimento de interesses pessoais!
Acontece que, embora esta adoção desinteressada e sem escolhas seja o ideal, nem sempre é viável, até mesmo em se considerando dificuldades e vícios próprios da natureza humana. De fato, há inúmeras situações fáticas das mais variadas, e que não podem ser ignoradas pelo legislador e, muito menos, pelo seu intérprete (o magistrado).
Ora, convenhamos que não é censurável a escolha honesta feita por determinada mãe que quer entregar o seu filho, o qual não pode criar por diversas razões, a um casal específico que tem verdadeiramente condições de adotá-lo. Pode não ser, à luz da vigilância do Estado, o melhor caminho, pois tal adoção direcionada não será acompanhada por profissionais capacitados. Mas, decididamente, tal procedimento informal tem suas motivações compreensíveis sob a ótica ética. E, o mais importante, quando isto acontece e o menor passa a viver com a nova família, há a criação de uma relação de afeto!
Neste momento é que podem surgir conflitos lamentáveis. Sim, os pais biológicos podem se arrepender e interferir, ainda antes de sacramentada a adoção, querendo o menor de volta. Aí é que surge o verdadeiro conflito entre o vínculo biológico e o sócioafetivo. Pergunta-se, diante deste dilema: quem merece ficar com o menor? Os pais biológicos ou aqueles que criaram a relação de afeto com o menor? A resposta é nenhum dos dois, pois quem “merece” algo neste cenário doloroso é o menor, cujo bem estar, acima de qualquer norma infraconstitucional que preveja o contrário, deve prevalecer, já que é assegurado pela Constituição Federal.
E, com a ressalva das exceções que podem ocorrer, não tenho dúvida de que é muito mais interessante à criança continuar naquele lar onde estabeleceu vínculo sócioafetivo. O nosso direito, sobretudo a partir do Código Civil de 2002, passou a considerar a paternidade/maternidade sócioafetivos, sendo que, em casos desta natureza, deve tal vínculo prevalecer sobre a solitária identificação biológica.
As decisões do STJ, em conflitos como o ora relatado, têm sido todas neste sentido. Espera-se, agora, que o nosso legislador, mais atento à realidade do País e menos preocupado com formalidades que são inviáveis na prática, promova as alterações legais necessárias. Enquanto isto não ocorrer, o Judiciário, valendo-se da Lei Maior (Constituição Federal), deve fazer Justiça e reconhecer, incidentalmente, a inocuidade e invalidade de normas que, em última análise, desconsideram os melhores interesses da criança e do adolescente.
Publicado no caderno “opinião” do jornal Estado de Minas, 18 de Novembro de 2013.