Luiz Fernando Valladão – Advogado, Professor Universitário e Autor do Livro Recurso Especial (ed. Del Rey).
O acesso ao Judiciário, em especial a partir do advento da Constituição Federal de 1988, foi facilitado. Para quea prestação jurisdicional seja de qualidade, estabeleceu-se a garantia do duplo grau de jurisdição. Na Constituição Federal percebe-seque o duplo grau de jurisdição faz parte de nosso sistema processual, seja porque o acesso aos recursos decorre da própria garantia da “ampla defesa” (art. 5º. inc. LV) seja porque há, sistematicamente, previsão de instâncias revisoras das decisões. Isso é positivo, pois permite que a prestação jurisdicional seja corrigida e aperfeiçoada, ainda mais se considerado for que a decisão posterior advém, como regra geral, de magistrados mais experientes. Demais disto, as partes ficam com a impressão de que puderam debater, o que aumenta a credibilidade do Poder Judiciário. E isto é bom para toda a sociedade!
Acontece que o Texto Constitucional foi além, e estabeleceu a possibilidade do jurisdicionado alcançar outas instâncias, em especial o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Para evitar abusos e protelações, a norma constitucional criou pressupostos rígidos de admissibilidade aos recursos dirigidos àqueles Tribunais, tornando-os acessíveis apenas em situações mais graves e com certo alcance público. Não bastasse isto, os recursos dirigidos ao STF e ao STJ não impedem que a decisão recorrida seja cumprida de imediato, ainda que em caráter provisório.
Com isto, pode-se dizer que a Justiça será, como regra geral, realizada nas duas primeiras instâncias (duplo grau de jurisdição). E, a partir daí, só em situações excepcionais terá continuidade o debate.
O sistema, tal como concebido, parece-me inteligente. A morosidade na prestação jurisdicional não decorre desta estrutura legal, e sim de problemas de ordem administrativa e estrutural (poucos magistrados e serventuários; inexistência de expediente forense, em algumas situações, na parte da manhã; etc…). Também é digno de nota que o Poder Executivo é o maior “freguês” do Poder Judiciário, abusandodo acesso à jurisdição, em grande parte com o propósito de protelar e não pagar as dívidas. Aliás, mesmo depois de transitada em julgado a decisão condenatória, sabe-se que o credor da Fazenda Pública ficará refém do impagável precatório!
O que me parece merecer reflexão são as exageradas restrições que estão sendo criadas pelo STJ e pelo STF, os quais insistem em colocar em prática a estranha “jurisprudência defensiva”.
Ora, não me parece correto o não conhecimento de recursos, em virtude, por exemplo, de desprezíveis erros no preenchimento de guias de recolhimento de custas recursais, assim como não me convence o não exame de habeas corpus, apenas porque há outros recursos cabíveis.
Com efeito, se um recurso preenche os difíceis pressupostos para acessar o STJ e o STF é porque envolve matéria importante, não sendo correto afastá-lo por questões pequenas e não previstas em lei. De igual forma, o habeas corpusvisa afastar abusos contra o direito à liberdade, enão pode se submeter a formalidades de menor relevância.
Espera-seque os Tribunais Superiores continuem a corrigir decisões equivocadas das instâncias inferiores e a colocar em prática o seu projeto de uniformizar a interpretação do Direito Federal. Além disto, devem funcionar sim como a última esperança daquele que se vê injustiçado e limitado em sua liberdade. A Constituição Federalestará sendo homenageada e festejada!
”Artigo publicado no Jornal Estado de Minas, caderno Opinião, no dia 30/10/13″