Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi criado o Superior Tribunal de Justiça, cuja competência, desde então, é a de uniformizar o direito federal infraconstitucional, pacificando, como conseqüência, a jurisprudência no âmbito dos tribunais estaduais e regionais, espalhados pelo País. Dando efetividade a esta sua missão, a referida Corte tem contribuído para que casos idênticos tenham soluções idênticas, situação esta que traz segurança jurídica.
Percebe-se, assim, que o STJ, ao julgar os recursos especiais que lhe são encaminhados, exerce uma função política. Apenas como mera conseqüência desse trabalho de interpretação do Direito Federal, é que a Corte aplica o seu entendimento jurídico ao caso concreto. Isso significa que o interesse público de pacificação da jurisprudência prevalece sobre interesses das partes litigantes, nos julgamentos lá realizados. Nesse contexto, pode-se dizer, em poucas palavras, que só será examinado pelo STJaquele recurso especial que veicule tese jurídica séria e que mereça ser pacificada.
Na outra ponta, contudo, tem-se o jurisdicionado, que, inconformado com o resultado até então adverso, confia que o seu recurso especial, dirigido ao STJ, fará prevalecer o entendimento que defende. Nada mais natural, pois o inconformismo é da natureza humana e, além disto, existem decisões dos tribunais inferiores equivocadas, e que precisam, sim, ser corrigidas.
Pois bem, se é verdade que deve haver uma séria seleção dos recursos que mereçam ser avaliados pelo STJ, não menos correto é que essa triagem há que estar presa aos limites da lei. Ou seja, é vedado à Corte, com base em critérios não constantes de lei, deixar de examinar recursos especiais.
Ocorre que, com graves prejuízos aos cidadãos e seus advogados, o STJ não tem examinado diversos recursos, valendo-se da chamada “jurisprudência defensiva”. Esta postura, com o devido respeito, precisa ser revista.
Um exemplo grave desse quadro está em decisões daquela Corte, pelas quais não conhece recursos especiais, ao fundamento de que as respectivas guias de recolhimento das custas estão preenchidas sem constar o número de origem do processo (ED em RESP 850.355-RJ) ou porque estão preenchidas à caneta (AI 1.155.821-MG).
Francamente, não existe lei, no sentido formal e material, que estabeleça requisitos desta natureza. Demais disto, afronta à razoabilidade deixar de examinar teses relevantes, apenas por um detalhe burocrático no preenchimento de guias.
As normas processuais existem para permitir que o Judiciário possa examinar o mérito dos conflitos. Elas não podem se transformar em “atores principais”, e muito menos ser usadas pelo Judiciário como um jogo de armadilhas, a impedir a efetiva pacificação dos conflitos e da própria jurisprudência.
Na linha do que acena o projeto do novo CPC, em trâmite na Câmara dos Deputados, espera-se que o STJ reveja esse seu posicionamento. Os cidadãos e os advogados agradecerão!
Luiz Fernando Valladão Nogueira
Advogado e Autor do Livro “Recurso Especial”.