Ronaldo Garcia Dias*
Recentemente foi aprovado no Senado Federal, em primeira votação, o projeto de reforma do Código de Processo Penal (PLS 156 do Senado), restando a sua apreciação na Câmara Federal. Embora a maior parte da comunidade jurídica dos advogados, promotores públicos e juízes não tivessem sido convidados a debatê-lo, já que o assunto ficou restrito a uma comissão de juristas, ninguém coloca em dúvida a necessidade de uma nova regulamentação que reflita a não tão nova ordem constitucional.
O texto atual que é de 1941, acha-se superado pela história e pela evolução conceitual. Criado sob a égide do Estado Novo de Getúlio Vargas não resguarda os direitos e as garantias fundamentais que estruturam o atual Estado Democrático de Direito. Por outro lado, a produção de reformas legislativas pontuais, como a realizada nos procedimentos em 2008, não parece ser a melhor, pois resulta em texto normativo multifacetado e comprometido em sua estruturação principiológica.
Dentre as propostas, a extinção da queixa crime, ao argumento de que no sistema acusatório público (art. 129. I CF), a titularidade da ação penal é monopólio do Ministério Público, excetuando-se apenas as hipóteses da ação penal privada substitutiva ou subsidiária, de iniciativa do particular. Também a extinção do controle judicial do arquivamento do inquérito policial, passando para o Ministério Público que é o seu verdadeiro destinatário.
O projeto extingue a prisão em flagrante, como forma autônoma de custódia, perdendo os seus efeitos se não for convertida, com a devida motivação legal, em prisão preventiva, que passa a ter prazo máximo determinado de 180 dias, se decretada no curso da investigação, ou antes, da sentença condenatória recorrível, podendo chegar a 540 dias se a defesa interpuser recurso extraordinário ou especial.
O Código projetado cria o juiz das garantias que é o responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário. Ressalta a exposição de motivos que a proteção da intimidade, da privacidade e da honra, com assento no texto constitucional, impõe cuidadoso exame sobre a necessidade de medida cautelar tangenciadora de tais direitos.
Nos aspectos referentes à teoria geral da prova a proposição apresenta vários avanços como a fixação inequívoca da estrutura acusatória. Sem transformar o juiz em mero espectador da marcha processual, veda-lhe a atual possibilidade de coletar a prova, que passa a ser atividade exclusiva das partes, sendo-lhe facultado, antes de sentenciar, esclarecer dúvidas sobre a prova produzida.
Aumenta as hipóteses de indeferimento da denúncia, prevendo a sua rejeição quando faltar interesse na ação penal, por superveniência provável de prescrição. Com pequenos ajustes conceituais, mantém a estrutura básica da reforma feita em 2008, com referência aos procedimentos penais.
Aperfeiçoa a intervenção civil no processo penal, permitindo a adesão civil da vitima ao objeto da ação penal. A vitima, enquanto parte civil poderá ingressar nos autos, não só como assistente da acusação, mas também, ou apenas, de assim decidir, como parte processual a ser contemplada na sentença penal condenatória, que poderá arbitrar indenização pelo dano moral causado pela infração penal, sem prejuízo da ação civil, contra o acusado e o eventual responsável civil, pelos danos materiais existentes.
Sobre os recursos, o projeto altera profundamente o atual quadro, padronizando terminologia, prazos e incorporando aqueles previstos na lei especial para melhor compreensão do tema.
Ao argumento de compatibilizar celeridade necessária à produção da resposta penal em tempo razoável e à tutela dos direitos fundamentais daqueles que respondem ao processo penal, no essencial, cuidou-se de estabelecer os critérios dos tradicionais recursos de apelação, do agravo (substituto do recurso em sentido estrito), dos recursos extraordinário e especial e dos embargos de divergência.
Restringiu-se o cabimento dos embargos infringentes e de declaração, além do habeas corpus, delimitando o seu cabimento aos casos em que esteja em risco o direito de locomoção. Para tanto, procurou substituir a genérica palavra coação por prisão, diminuindo o campo de interpretação das hipóteses em que é cabível.
Se o anunciado realinhamento conceitual, deste que é um dos mais importantes instrumentos de cidadania é bom para a democracia, ainda não se sabe. Sabe-se, no entanto, que já é passada a hora das instituições que representam os operadores do direito se convidarem para participar do debate.
* Advogado e Professor da Universidade FUMEC