LEI MARIA DA PENHA COMPLETA 10 ANOS COM AVANÇOS NA PROTEÇÃO À MULHER

Por Mariana Teodoro de Morais (Formada pela Faculdade de Direito da UFMG, atualmente cursando pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal. Faz parte da equipe Valladão Sociedade de Advogados desde Março de 2016.)

“Mas é preciso ter força / É preciso ter raça / É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca / Maria, Maria / Mistura a dor e a alegria”
(Milton Nascimento e Fernando Brant)

Em 7 de agosto de 2006 foi promulgada a Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. O referido diploma legal veio para fazer frente a uma realidade brutal de violência contra a mulher, fundada principalmente em resquícios de uma cultura de misoginia e machismo.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), compilados pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), apontam que o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial dos países com mais crimes praticados contra as mulheres. A pesquisa mostrou que, por ano, ocorrem em torno de 4,5 homicídios para cada 100 mil mulheres.

É importante notar que a Lei Maria da Penha não é somente fruto da necessidade de confrontamento dessa preocupante realidade, mas decorre, principalmente, da necessidade constante de se buscar efetivar a Constituição da República em seus princípios e garantias, sobretudo no que concerne à dignidade da pessoa humana, ao direito à vida e à igualdade entre homens e mulheres.

E mais: o art. 226 da Constituição e 1988 define a família como a base da sociedade e lhe assegura especial proteção do Estado. Seu respectivo §8° determina que o Estado deve criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações domésticas.

Não obstante o claro comando constitucional, a legislação somente foi promulgada em 2006, em virtude da necessidade de buscar efetiva igualdade entre homens e mulheres e garantir que a mulher possa se determinar e buscar continuamente sua sublimação no seio do ambiente social. Seu principal objetivo é proteger aquelas que continuam sendo alvo de extrema violência, principalmente no ambiente doméstico e familiar, pelas mãos de seus companheiros.

A Lei determina a criação de juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher com suporte em equipes multidisciplinares de profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde. Tais juizados têm sido efetivamente criados ao redor do país e apresentam como principal inovação e qualidade a competência mista. Os juízes que ali atuam são competentes para julgar matéria penal, cível e de família, podendo, assim, oferecer uma prestação jurisdicional mais eficiente e completa. Já as equipes multidisciplinares potencializam a possibilidade de que a vítima da violência possa ter acesso não só à justiça, mas que também possa superar o inevitável trauma.

São aplicadas medidas protetivas de urgência que podem tanto envolver a pessoa do agressor, protegendo a integridade física e o patrimônio da ofendida, como podem envolver a própria vítima, encaminhando-a, por exemplo, a programa oficial de proteção. Tais medidas são importantíssimas para garantir que seja quebrado o ciclo vicioso que caracteriza tais conflitos e que consiste em uma escalada de violência que, em muitos casos, atinge seu clímax no momento em que a vítima finalmente consegue buscar a ajuda estatal.

Busca-se garantir não apenas a manutenção da saúde física da vítima, como também sua saúde psicológica. Nesse contexto, a vítima deve ser encaminhada a atendimento médico, propiciando, quando necessário, acesso a profissional da área psicossocial.

Contudo, em um país de dimensões continentais, encontra-se dificuldade em implementar todas as políticas de proteção previstas na Lei. De acordo com o Ministério da Justiça, existem apenas 502 Delegacias da Mulher em todo o país.

Apesar dos avanços trazidos pela legislação, 10 anos após sua promulgação, o cenário ainda permanece extremamente preocupante. Segundo a Secretaria de Política para Mulheres, uma a cada cinco mulheres é vitima de violência doméstica.

Noutro giro, contrariando as previsões anteriores, a lei reduziu em cerca de 10% a projeção de aumento da taxa de homicídios domésticos, conforme estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015. Ou seja, se por um lado a violência doméstica ainda é uma realidade em nosso país, por outro é perceptível o impacto social que a lei causou.

Parte do sucesso da Lei se deve à criação da Central de Atendimento à Mulher, que recebe denúncias pelo número 180. O serviço é nacional e gratuito, e é um importante aliado na tarefa de prestar atendimento às mulheres em situação de violência.