por Elisabeth França da Silva (advogada, coordenadora da área de direito penal da Valladão Sociedade de Advogados)
A Lei nº 8.069/90, a qual criou o Estatuto da Criança e do Adolescente ou, simplesmente, ECA, como é popularmente conhecido, contribui para que os direitos dos indivíduos protegidos pela referida norma não sejam violados, ainda que eles se tornem, em algum momento da vida, infratores.
Percebe-se que a intenção do legislador, com a criação do Estatuto, foi evitar que o menor se envolva por completo na marginalidade, tornando-se irrecuperável socialmente.
Entretanto, sabe-se que tal intuito se torna um desafio em nossa sociedade, cuja cultura sempre optou pela punição severa, antes de procurar métodos pedagógicos e medidas sócio-educativas, com intenção de reintegração social.
Acontece que os indivíduos protegidos pelo Estatuto (crianças e adolescentes), formam uma parcela da sociedade que, realmente, necessita de cuidados especiais.
Isto porque a personalidade destes indivíduos está se formando, não ocorrendo, ainda, a compreensão total das suas atitudes.
É como nos ensina a doutrina abalizada sobre o assunto:
A adolescência é o período de desenvolvimento da identidade pelas mudanças que ela comporta. Só com um funcionamento cognitivo adulto é que o indivíduo pode tratar questões abstratas como escolha profissional, filosofia de vida, relacionamentos amorosos e estilos de vida.
A identidade desenvolve-se durante todo o ciclo vital, mas é no período da adolescência que ocorrem as transformações mais significantes. […] é a primeira etapa da vida em que estão reunidos todos os ingredientes para a construção de uma identidade pessoal.[1]
Neste contexto, tem-se que, antes do Estado se tornar responsável pelos menores, o ambiente familiar deve ser o norte para que a criança ou o adolescente aprenda a diferença entre o certo e o errado.
A família é a base da formação social. E, se esta base for desestruturada, o menor buscará referências em outros modelos. É aí que, normalmente, se inicia o conflito com as regras da vida em sociedade.
A realidade brasileira, como é do senso comum, apresenta uma mazela grave, que é a má distribuição de renda. E esta patologia contribui, de maneira incisiva, para a desestruturação das famílias e, consequentemente, para o encaminhamento dos menores aos conflitos sociais.
De outro lado, as instituições de aplicação de medidas socioeducativas são totalmente despreparadas para ressocializar o menor infrator. Na verdade, tais instituições, há muito, se tornaram aplicadoras de medidas punitivas e não pedagógicas, como deveria ser.
Estes são os desafios deste importante Estatuto, o qual fez aniversário (26 anos) no último dia 13 de julho.
Mas, acredita-se que não se tem muito a comemorar, já que, enquanto não se resolver os problemas graves da realidade brasileira, as crianças e adolescentes não estarão, efetivamente, protegidos.
[1] A construção da identidade em adolescentes: um estudo exploratório. Teresa Helena Schoen-Ferreira, mestre em Ciências Aplicadas à Pediatria pela Universidade Federal de São Paulo; Maria Aznar-Farias, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo; Edwiges Ferreira de Mattos Silvares, doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v8n1/17240.pdf.