*Luiz Fernando Valladão Nogueira – Advogado, Procurador do Município e Professor de Direito Processual Civil.
O art. 485 do CPC, em seu inciso VI, estabelece a viabilidade da ação rescisória, quando a decisão rescindenda “se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória”.
O legislador, com relação a este permissivo à rescisória, quis admitir a desconstituição de decisão transitada em julgado, se esta estiver fundada em prova falsa, cuja falsidade só tenha sido apurada depois de sua produção no processo (podendo ser apurada, inclusive, no curso da própria rescisória). Naturalmente que só poderá prosperar a rescisória se a prova falsa tiver sido a motivação da decisão rescindenda.
Dito de outra forma, pode-se afirmar que não prosperará a rescisória se havia outra prova no processo originário, não contaminada pela falsidade, e que fundamentava a decisão rescindenda. A este propósito, colhe-se do STJ a advertência de que “a rescisão de julgado com base em falsidade de prova deve considerar o nexo entre essa prova e a decisão, bem como se remanesce fundamento diverso independente a subsidiar o v. acórdão.”[1]
A prova pode ser falsa sob a ótica material ou mesmo ideológica. Com efeito, a falsidade material é aquela que resulta de adulteração de documento, de forma que o seu sentido seja modificado. É o que acontece quando uma declaração escrita recebe uma alteração, com o propósito, por exemplo, de modificar certa expressão numérica (em vez de 200, passa a constar 2.000, p. ex). Ou quando uma folha de certo laudo pericial é alterada artificialmente para induzir a uma conclusão diversa daquela que, efetivamente, foi exarada pelo perito.
Diferente disto é a falsidade ideológica. Esta acontece em situações em que, a despeito de estar correta a prova sob a ótica material, ela retrata algo distinto da verdade real. É o caso do perito que afirmou o tamanho de uma área diferente do real, ou da testemunha que faltou com a verdade em seu depoimento.
Ensina Moacyr Amaral dos Santos que “a falsidade ideológica diz respeito à substância do ato ou fato representado no documento. Materialmente o documento é perfeito; no entanto traduz ideias, declarações, notícias falsas.”[2]
Neste mesmo sentido, insiste autorizada doutrina que, para fins de ação rescisória,“a falsidade da prova tanto pode ser material como ideológica”[3].
Citando o autor Evaristo Aragão Ferreira dos Santos, completa Didier que “para que seja configurada falsidade suficiente para fundamentar a rescisória, basta que o fato atestado pela prova não corresponda à verdade. Pouco importa que essa alteração da verdade tenha ocorrido consciente ou inconscientemente. É suficiente, para caracterizar a falsidade, a mera desconformidade entre o efetivamente ocorrido e o fato atestado pela prova.”
No mesmo sentido, entendeu a des. Márcia de Paola Balbino, ilustre integrante do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que“na ação rescisória fundada em falsidade de prova, nos termos previstos no inciso VI do art. 485 do CPC, deve ser analisada a falsidade material ou ideológica do documento que serviu, de forma determinante, para o julgamento rescindendo.”[4]
O C. STJ também admite a rescisória em razão de laudo técnico incorreto, incompleto ou inadequado, e que por isto mesmo pode ser impugnado, na ação rescisória, por falsidade ideológica:
“O laudo técnico incorreto, incompleto ou inadequado que tenha servido de base para a decisão rescindenda, embora não se inclua perfeitamente no conceito de “prova falsa” a que se refere o art. 485, inciso VI, do CPC, pode ser impugnado ou refutado na ação rescisória, por falsidade ideológica. – A falsidade da prova pode ser atribuída tanto à perícia grafotécnica (falsidade ideológica) como às duas notas promissórias (falsidade documental), sendo possível perquirir a ocorrência da prova falsa, sem adentrar na intenção de quem a produziu, quer inserindo declaração não verdadeira em documento público ou particular (falsidade ideológica), quer forjando, no todo ou em parte, documento particular (falsidade material).[5]
É importante acrescer que a falsidade poderá ser evidenciada de diversas formas: por meio de sentença transitada em julgado no processo criminal ou através de modalidades de prova (documental, testemunhal, etc…) que forem apresentadas no curso da rescisória.
No tocante à sentença em processo criminal, é compreensível a opção do legislador. Sim, é inconcebível, por exemplo, que uma decisão seja mantida válida, mesmo que a testemunha que serviu de base ao magistrado tenha sido condenada por falso testemunho (art. 342 CP).
A falsidade pode ser demonstrada no curso da rescisória, conforme se pode conferir pela redação do inc. VI, agora em análise. E, além disto, mais adiante o Código prevê, expressamente, a possibilidade de dilação probatória em ação rescisória, sendo que uma das hipóteses em que isto será útil é para a comprovação da falsidade da prova produzida no processo originário. Com efeito, é claro o art. 492 CPC: “Se os fatos alegados pelas partes dependerem de prova, o relator delegará a competência ao juiz de direito da comarca onde deva ser produzida, fixando prazo de quarenta e cinco (45) a noventa (90) dias para a devolução dos autos”.
É importante, todavia, para que a ação rescisória não seja vulgarizada, que a abertura da dilação probatória, em tal seara, só ocorra em casos de existência de indícios sobre a falsidade da prova e que já estejam presentes junto com a inicial. Isso porque a rescisória ataca a coisa julgada, instituto que objetiva trazer segurança jurídica e paz social, de maneira que contraria a lógica do sistema legal a reabertura de nova dilação probatória sem justificativa plausível. Aliás, o art. 130 do Código Processual, com mais razão, tem incidência aqui ao orientar que as “diligências inúteis” devem ser indeferidas.
Em conclusão, pode-se dizer que, ao contrário do que se apregoa, a ação rescisória permite sim rediscussão de prova, mormente se houver prova da falsidade desta.
[1] AR 3553 / SP – Min. Felix Fischer – DJ 06/04/2010.
[2] Primeiras linhas de Direito Processual Civil, 2º Volume, pág. 416, nº. 632, Ed. Saraiva, 1990, SP
[3] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2009. V. III. P. 409.
[4] Processo n° 1.0000.09.497021-7/004 – DJ 17/12/12.
[5] Recurso Especial n. 331550/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 25 de março de 2002