As Medidas de Urgência nas Ações Ambientais

Luiz Fernando Valladão Nogueira

1 Medidas de urgência – evolução legislativa até o Novo CPC

A efetividade das decisões judiciais sempre foi uma preocupação a atormentar aqueles que estudam o Direito. E, quando se fala em efetividade, vêm à tona as medidas de urgência!

Com efeito, o Código de Processo Civil/73, antes mesmo das várias reformas que lhe foram impostas e da própria Constituição Federal de 1988, já estabelecia a possibilidade de obtenção imediata e satisfativa do bem de vida perseguido, em sede de liminar, em alguns procedimentos especiais. Assim é que, por exemplo, o Código admitia a proteção possessória, com evidente caráter satisfativo, já no início do trâmite do processo respectivo (art. 928 CPC). De igual forma, antes mesmo do CPC/73, a lei que regulava o processo de mandado de segurança (Lei 1.533/51), em seu artigo 7º, previa a hipótese da concessão da ordem, já em caráter liminar.

As medidas cautelares, cujo objetivo é apenas o de assegurar o resultado prático do processo, também já estavam previstas nos arts. 796 e segts do CPC/73.

Portanto, pode-se afirmar que, antes da Carta Constitucional de 1988, já existiam dispositivos que objetivavam a maior efetividade do processo. Em outras palavras, a busca do processo “justo”.

Aliás, já se percebia a nítida distinção entre as tutelas cautelares e as tutelas antecipadas. As primeiras, previstas nos aludidos arts. 796 e seguintes do Código Processual, objetivavam garantir o resultado prático do processo e não eram satisfativas (o bem de vida perseguido não era alcançado, de imediato). Já as tutelas antecipadas, embora ainda não previstas expressamente no Código àquela época, aconteciam, na prática, por intermédio das liminares em procedimentos especiais, sendo que, nestes casos, havia a plena satisfação com a obtenção do bem de vida.

Eis que, com a Constituição de 1988, houve a previsão de que seriam assegurados a “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º. inc. LXXVIII). Mais ainda, houve a previsão de garantia de apreciação pelo Poder Judiciário de “lesão”, inclusive quando ocorrer “ameaça a direito” (art. 5º. XXXV CF).

No plano infraconstitucional, notadamente no que toca às tutelas de urgência, houve avanços que se mostravam atentos aos ditames constitucionais.

De fato, com a Lei 8952/94 houve a instituição da tutela antecipada, pela qual se generalizou quanto à possibilidade de a medida de urgência ser satisfativa. Vale dizer que, desde que houvesse, além do perigo de dano ou abuso no direito de defesa, “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação” (art. 273 CPC/73), já poderia o magistrado “antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial”.

Na linha do que já admitia o chamado Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90 – art. 84 § 3º), a referida Lei 8952/94 inseriu no Código de Processo Civil/73 a antecipação da tutela para os casos de obrigações de fazer ou não fazer (art. 461, § 3º). Em seguida, e por intermédio da Lei 10.444/02, estendeu-se a mesma medida para as ações que tivessem por objeto a “entrega de coisa” (art. 461 A e § 3º CPC).

Disto tudo sobressai que, sob a ótica do estatuto processual de 1973, há divisão nas medidas de urgência: tutela antecipada e cautelar, sendo que a primeira tem caráter satisfativo e a segunda visa garantir o resultado prático do processo.

Acontece que os requisitos à concessão das referidas medidas, ainda à luz do estatuto codificado de 1973, são diferentes, até mesmo porque o alcance da tutela antecipada é mais amplo e eficaz do que o da cautelar.

Sim, conforme aquele Código, para a tutela antecipada é de rigor que haja “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação” (art. 273 CPC/73), requisitos estes que exigem uma quase certeza de que o pretendente tem razão em seu pleito e será vitorioso ao final. Já para a cautelar, há um rigor menor, na medida em que basta à sua concessão a relevância da fundamentação e o perigo de dano.

De maneira objetiva, lembra Antônio Carlos Marcato [1], ao se referir à tutela antecipada, que “predomina o entendimento de que não se trata de cautelar, pois não se limita a conservar situações para assegurar a efetividade do resultado final, mas implica antecipação do próprio resultado”.

Fredie Didier, Paula Sarno, Rafael Oliveira [2] evidenciam a distinção entre a cautelar e a tutela antecipada:
Sob essa perspectiva, somente a tutela antecipada pode ser satisfativa e atributiva, quando antecipa provisoriamente a satisfação de uma pretensão cognitiva e/ou executiva, atribuindo bem da vida. Já a tutela cautelar é sempre não-satisfativa e conservativa, pois se limita a assegurar a futura satisfação de uma pretensão cognitiva ou executiva, conservando bem da vida, embora possa ser tutelada antecipadamente.

Conforme entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque [3],

[…] distinguem-se, todavia, pelo caráter satisfativo de uma, inexistente na outra. As medidas cautelares exerceriam em nosso sistema apenas a função de assegurar a utilidade do pronunciamento futuro, mas não antecipar seus efeitos materiais, ou seja, aqueles pretendidos pela parte no plano substancial. A diferença fundamental entre ambas residiria, pois, nesse aspecto provisoriamente satisfativo do próprio direito material cuja tutela é pleiteada de forma definitiva, ausente na cautelar e inerente na antecipação.

O que acontece é que essa dualidade de medidas de urgência, com requisitos e procedimentos distintos, estava a causar embaraços na prestação jurisdicional. É que os requerimentos feitos erroneamente ocasionavam o indeferimento das pretensões, em vista de inadequação formal.

A fim de superar tal obstáculo formal, a Lei 10.444/02 cuidou de trazer o § 7º ao art. 273 CPC/73, o qual consubstanciou a chamada fungibilidade das medidas de urgência. Em outras palavras, o requerimento que desconsiderasse a dicotomia entre cautelar e tutela de urgência poderia, ainda assim, ser aproveitado, em homenagem à efetividade do processo.

Com efeito, “se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental ao processo ajuizada” (§ 7º art. 273 CPC).

Trata-se, aí, de um grande avanço na efetividade, pois, ao permitir que a cautelar seja deferida, incidentalmente, no próprio processo principal, o legislador de então acenou com a possibilidade de haver uma desburocratização com a eliminação do processo cautelar autônomo.

Para Wambier, Almeida e Talamini [4],

[…]
Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por reputar que ela não foi requerida pela via que considera cabível. Nessa hipótese, se presentes os requisitos, o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta.
O texto do artigo 273 do parágrafo 7º, deixa clara a antes mencionada fungibilidade entre tutela antecipada e tutela cautelar. Diversamente do que pode parecer com uma leitura rápida, a providência de natureza cautelar pode ser postulada ainda que não tenha expressado pleito de antecipação de tutela. Pode ocorrer de o autor não ter pedido antecipação de tutela (até mesmo por eventualmente não lhe interessar tal antecipação), mas ter pedido providência de natureza diversa do provimento final almejado, com os requisitos suficientes para a concessão de medida cautelar. Nessa hipótese, a norma autoriza o pedido (cautelar) em processo de conhecimento. Por outro lado, e embora a regra não o diga expressamente, as razões antes expostas evidenciam que fungibilidade também haverá de ser reconhecida no sentido oposto – ou seja, poderá haver deferimento de tutela antecipada requerida sob a forma de “medida cautelar”.

Já para Machado e Chinellato [5],

Contrariamente ao posicionamento corrente da doutrina que vem vislumbrando com presente dispositivo apenas a fungibilidade do pedido de tutela antecipada, ousamos divergir para afirmar que este §7º significa muito mais que isso, posto que a idéia de Fungibilidade pressupõe o equívoco da parte ao solicitar providência antecipatória em vez da natureza cautelar, quando, na verdade, o que o texto sob enfoque permite é que, a partir de agora, se peça naturalmente providência cautelar da mesma forma como se pede antecipação da tutela, vale dizer, independentemente de propositura da ação cautela incidental.(…). O que queremos salientar é que a parte não precisa errar na qualificação jurídica da providência para que o juiz possa conceder-lhe o provimento acautelatório – se a postulação inadequada ocorrer, sem nenhum problema o juiz poderá compreendê-la, à luz da necessidade real da parte, e conceder a cautela, tendo em conta a fungibilidade -, pelo contrário, pode deliberada e conscientemente requere por essa nova forma de tutela cautelar incidental. Para que se alcance toda a potência normativa que este novo §7º proporciona, destarte, basta que se interprete a locução “a título” como “na forma” e aí teremos um resultado exegético verdadeiramente significativo para o processo civil. Atente-se, por derradeiro, para o fato de que essa nova regulamentação introduzida no artigo 273 não representa o desaparecimento do processo cautelar, porquanto as cautelares antecedentes (chamadas preparatórias) permanecem intactas no sistema (art. 796, do CPC), e nem mesmo a morte do processo cautelar incidental, na medida em que o art. 796 referido não foi alterado pala Lei n. 10.444/2002 (e ele fala de procedimento cautelar […] no curso do processo principal”), de sorte que apenas quando o juiz verifique que o requerimento de cautela (art .273, §7º) se encontra bem instruído, não depende de prova oral e não vai gerar tumulto nos autos do processo cognitivo, então, o órgão jurisdicional concede a providência solicitada; caso contrário, o magistrado determina ao requerente que postule a medida acautelatória em sede própria, ajuizando ação cautelar incidental, o que permitirá a ampla discussão de matéria fática e jurídica sem comprometer o andamento do processo principal.

A jurisprudência assimilou este avanço, permitindo a concessão da tutela de urgência, independente do rótulo dado pela parte, desde que observados os requisitos legais. Vale conferir o seguinte exemplo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. LIMINAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TUTELAS DE URGÊNCIA. FUNGIBILIDADE ADMITIDA. REFORMA. O princípio da fungibilidade, consagrado no art. 273, §7º, do CPC, torna possível a concessão de uma medida de urgência no lugar da outra, em atenção à celeridade e economia processual.[6]

Enfim, no sistema do CPC/73, encontramos esta divisão legal entre as tutelas de urgência (cautelares e tutelas antecipadas), havendo, contudo, a admissão de que haja o atendimento do pleito da parte, independente da nomenclatura adotada no requerimento (fungibilidade). E, mais ainda, o procedimento adotado é irrelevante (incidental ou por processo cautelar separado), eis que importa, isto sim, o preenchimento dos requisitos legais à obtenção da proteção judicial.

Eis que, agora, estamos com um novo Código de Processo Civil.

Pois bem, com o propósito de eliminar o processo cautelar, o legislador estabeleceu as “tutelas provisórias”, divididas em “tutela de urgência” e “tutela de evidência”, sendo que serão ajuizadas sempre nos mesmos autos do processo principal.

E mais: o legislador, influenciado pela fungibilidade aqui já mencionada e valorizada, prevê o cabimento das tutelas de urgência, seja em caráter cautelar seja com natureza satisfativa (antecipada).

Eis o dispositivo do art. 292 do novo CPC:

Art. 292 – A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Parágrafo Único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

Destarte, poderá ser requerida qualquer das medidas de urgência, sem que haja alteração de procedimento em virtude de sua natureza – satisfativa ou cautelar.

Aliás, o novo codex uniformizou os critérios à concessão das tutelas cautelar e antecipada. De fato, o art. 298 do novo CPC destaca, sem fazer qualquer distinção entre as medidas de natureza cautelar e as satisfativas (tutelas antecipadas), que a tutela de urgência será concedida quando forem demonstrados “elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado prático do processo” (destacamos).

Vale lembrar que, neste particular, haverá uma mudança. É que o art. 273 CPC/73, ao tratar da tutela antecipada (satisfativa), exige que haja a “prova inequívoca” dos fatos alegados, assim como a “verossimilhança da alegação”. Ora, como é cediço, esses critérios, diferentemente dos adotados para as medidas cautelares, exigem que haja uma quase certeza de que o pretendente tem razão quanto à pretensão principal e, por isto mesmo, é merecedor de sua antecipação.

Em outras palavras, agora, o legislador, embora exija a “probabilidade do direito”, dispensa para qualquer tutela de urgência, inclusive a antecipada, a rigorosa prova inequívoca. Ora, diferente da veemência que advém das expressões, usadas conjuntamente, “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação”, a “probabilidade do direito”, inserida isoladamente no texto legal, significa aquilo que já vem carregado de forte indício de veracidade.

O objetivo do legislador aí foi atenuar o rigor, até então usado para as tutelas antecipadas, e que, muitas vezes, pela confusão que havia entre as medidas de urgência, era exigido também para medidas de nítido caráter meramente cautelar.

O Juiz, à luz do novo instrumento codificado, deve verificar, quando da análise de tutelas de urgência, inclusive as satisfativas, a ocorrência do perigo de dano e, no mais, avaliar se há razoabilidade na tese jurídica sustentada e se a mesma encontra o mínimo apoio nas provas até então produzidas. Evidente que a mitigação no rigor às medidas de urgência (agora, chamadas de tutelas provisórias), em especial as antecipadas (satisfativas), trará consequências na outra ponta, ou seja, deverá ser potencializada a responsabilidade objetiva (indenização) daquele que as pleiteia indevidamente. Ou, se necessário, deverá o Juiz ficar atento à possibilidade de exigir caução do promovente da medida de urgência (art. 298 par. 1º novo CPC).

Cabe o registro, contudo, que ainda persiste, com relação à tutela de urgência antecipada, a inviabilidade de sua concessão, quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 298 par. 3º).

Pois bem, seguindo adiante, veremos que o novo Código traz, efetivamente, um avanço, ao prever a tutela de evidência. A grande diferença entre esta e a tutela de urgência é que a primeira dispensa o requisito do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Com efeito, a tutela de urgência exigirá, para ser concedida, o chamado periculum in mora. Já a tutela de evidência, conforme preconiza o art. 309 do novel Código, “será concedida independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo”. (destacamos).

A concessão da medida pretendida sem o requisito do periculum in mora representa um avanço no campo da efetividade. Ora, o processo lento, e que só traga o bem de vida perseguido depois de longo tempo, não é justo. O processo justo é aquele que traz a satisfação à parte, ainda a tempo e modo.

Neste cenário de instituição da tutela de evidência, o legislador previu situações específicas em que ela será cabível.

A primeira delas, prevista no inciso I do referido artigo 309, é quando “ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”.

Na verdade, pode-se dizer que, mesmo no sistema do CPC/73, já havia a previsão de tutela de evidência, em situações deste jaez, ainda que sob o rótulo de tutela antecipada. Isto porque o art. 273, inc. II, do Código de Processo Civil de 1973, já admitia a concessão da tutela antecipada, mesmo sem a presença do risco de dano.

Realmente, o requisito de “receio de dano irreparável ou de difícil reparação” já estava previsto no inciso I daquele artigo, como sendo uma regra geral. Já o inciso II do mesmo artigo dispensava o periculum in mora, desde que “fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”.

É fácil verificar, pois, que a tutela de evidência em casos tais, na prática, já existia em nosso ordenamento processual.

Vale conferir o tratamento doutrinário atual sobre o tema [7]:

Já no que tange ao abuso do direito de defesa ou o manifesto intuito protelatório do réu (inciso II do art. 273), o legislador dispensou a necessidade do perigo de dano. Para a caracterização desse requisito, basta a utilização indevida do processo pelo réu para dificultar a prestação da tutela jurisdicional pleiteada, impedindo a efetividade e a celeridade do processo.
O abuso do direito de defesa resta configurado quando o réu pratica atos indevidos dentro do próprio processo, já o manifesto intuito protelatório corresponde ao comportamento do réu fora do processo, mas com ligação direta à relação processual, tal como a ocultação de provas.
Ressalte-se que, de acordo com a finalidade da norma, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela nesses casos, somente se justifica se da conduta do réu resultou atraso indevido na entrega da prestação jurisdicional.
Para alguns autores, como Cândido Rangel Dinamarco e Calmon de Passos, pode-se usar como parâmetro, para a identificação dessas situações, o artigo 17 do Código de Processo Civil, que estabelece hipóteses de litigância de má-fé.
Teori Albino Zavascki denominou, para efeitos meramente classificatórios, a hipótese de antecipação de tutela prevista no art. 237, I, como antecipação assecuratória, e a hipótese prevista no art. 273, II, como antecipação punitiva. Em relação a essa última, o Autor faz importante ressalva: “embora não se trate propriamente de uma punição”.

Para Marcato [8],

Na situação do inciso II do art. 273, a razão de ser da antecipação é completamente outra, não vinculada ao perigo concreto de dano. Revela a existência de postura assemelhada à litigância de má-fé, já regulada pelos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.
De fato, a possibilidade de os efeitos serem antecipados em razão do comportamento assumido pelo réu, consistentes em apresentar defesa despida de seriedade, não esta ligada a perigo de dano concreto. Destina-se tão somente a acelerar o resultado do processo, pois o direito afirmado pelo autor é verossímil, circunstância que vem reforçada pela inconsistência dos argumentos utilizados pelo réu em sua resposta. Ou seja, a existência do direito é provável não só pelos argumentos deduzidos pelo autor, como também pelos apresentados na defesa.

A segunda situação (art. 309 inc. II) trata da hipótese “em que as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamentos de casos repetitivos ou em súmula vinculante”. Neste caso, supõe-se que os fatos são incontroversos e comprovados de plano. Pode-se dizer que, nos moldes da lei que regula o mandado de segurança, aqui também há a exigência do direito líquido e certo!

Destaque-se que a concessão da tutela de evidência, em casos em que a tese de direito já está pacificada por sistemas legais que harmonizam a interpretação do direito, é um grande avanço na efetividade. Vale lembrar que, nestas hipóteses, será desnecessário o requisito do perigo de dano, circunstância que evidencia o propósito de proteção ao litigante que, com segurança, tem razão em seu pleito, não sendo justo aguardar todo o desfecho do processo para a entrega final do bem de vida.

A terceira situação (art. 309 inc. III) abarca a possibilidade de concessão de tutela de evidência, nos casos em que “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”.

É oportuna a previsão do novo CPC, uma vez que, consoante súmula vinculante do STF, não é viável mais a prisão civil do depositário infiel (súmula 25 STF – “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”). Se o afastamento desta medida (prisão) inibe a eficácia na busca do bem entregue em depósito, a previsão do novo instrumento codificado mitiga tal inibição, na medida em que, de forma expressa, prevê a viabilidade de imposição liminar, e sem a necessidade de comprovação de perigo de dano.

A quarta e derradeira situação – e aí há verdadeiramente novidade a merecer aplausos – está prevista no inciso IV do multicitado art. 309: “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.

São dois requisitos os previstos para a concessão da tutela de evidência, nas hipóteses do inciso IV: “prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor” e “que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.

A prova documental, da forma como exigida pelo dispositivo legal, só pode ser compreendida como aquela que, após a submissão ao contraditório (a presente hipótese não admite a liminar – par. único), mostra-se ainda suficiente a embasar as alegações do requerente e dispensa novos elementos probatórios.

Destaque-se que, aqui, tal como se diz em relação ao mandado de segurança, a prova documental tem que revelar o direito líquido e certo de quem a está a invocar. E, sabidamente, direito líquido e certo não é aquele que possui complexidade jurídica menor, mas sim aquele que está acobertado por prova documental pré-constituída. Em outras palavras, o requerente consegue demonstrar o que alega por meio de prova documental, e sem necessidade de dilação probatória posterior.

O requisito de que o réu não pode opor prova capaz de gerar dúvida razoável torna a obtenção da tutela de evidência, em casos tais, mais difícil.

O objetivo aí é o de vedar a concessão da tutela de evidência, caso o réu tenha prova que justifique a ampliação da dilação probatória. Ou seja, não porque a matéria jurídica é complexa, mas porque a mesma ainda não está clara sob a ótica fática, deve ser recusada a tutela de evidência.

Neste contexto, pode-se dizer que o réu deverá apresentar esta prova, por meio de documentos juntados à contestação. Ou seja, se o autor requerer a tutela de evidência depois da contestação em que o réu apresentar documentos com tamanha força probatória, deverá – repita-se – ser indeferida a medida pretendida.

De igual forma, poderá o autor requerer a tutela de evidência depois do encerramento da fase probatória (já com oitiva de testemunhas e prova pericial, por exemplo), sendo que se o réu tiver conseguido produzir prova contrária à pretensão autoral, vez mais deverá ser indeferida a pretensão.

Frise-se que, diferentemente do projeto tal como encaminhado à Câmara dos Deputados, o novo CPC acabou por inadmitir a concessão liminar da tutela de evidência nas hipóteses de protelação e abuso do direito de defesa (devem ficar configurados no curso do próprio processo, portanto), assim como naquelas em há a prova documental suficiente e não infirmada pelo réu, o qual terá, necessariamente, a oportunidade de opor-se em sua resposta.

2 As Medidas de Urgência e as Ações Ambientais. Defesa do Meio Ambiente. Incidência de Princípios Constitucionais. Ponderação de Valores e Interesses

É adequado, agora, cotejar as premissas e conclusões relativas às medidas de urgência com as especificidades das ações ambientais.

Em primeiro lugar, cabe destacar que a defesa do meio ambiente tem status constitucional, ao ponto da Carta Magna estabelecer que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225 CF).

Daí decorre relevantes princípios, como o que estabelece o interesse público ao redor das questões ambientais, ou o que impõe a precaução nas decisões sobre o tema. Com efeito, a defesa do meio ambiente diz respeito a “todos”, haja vista sua essencialidade para a sobrevivência humana. Demais disto, para se evitar danos maiores, inclusive para “futuras gerações”, toda decisão sobre o tema deve ter em mente a precaução, ou seja, a prioridade do magistrado ou do administrador deve ser a de evitar o dano que o mau uso pode ocasionar.

A precaução, enquanto princípio, foi inserida na “Declaração do Rio de Janeiro”:

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

É importante registrar que a Convenção do Rio de Janeiro foi ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 2, de 3.2.1994.

Como não poderia deixar de ser, a jurisprudência vem placitando tal princípio, valendo anotar que o Superior Tribunal de Justiça, em caso concreto, lembrou exatamente que “o princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92 (ratificada pelo Brasil), a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental”, sendo certo que, “na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente”.[9] (destaque nosso).

De outro lado, importa dizer que tanto é verdade a prevalência do interesse público em tal assunto, que o legislador infraconstitucional, dando concretude ao princípio constitucional, adotou a responsabilidade objetiva nas ações que envolvam reparações e indenizações de cunho ambiental.

Sim, o art. 14 § 1º da Lei 6938/81 firmou tal referencial ao dizer que, “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade” (destaque nosso). Vale dizer que competirá ao autor da ação ambiental apenas fazer a prova do dano e do nexo de causalidade entre o mesmo e a ação do agente, sendo dispensada a prova da culpa ou dolo.

Também neste ponto, o STJ vem prestigiando o princípio e seus desdobramentos. A propósito:

[…]
5. Outrossim, é manifesto que o Direito Ambiental é regido por princípios autônomos, especialmente previstos na Constituição Federal (art. 225 e parágrafos) e legislação específica, entre os quais a responsabilidade objetiva do causador do dano ao meio ambiente (arts. 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei 6.938/81).
6. Portanto, a configuração da responsabilidade por dano ao meio ambiente exige a verificação do nexo causal entre o dano causado e a ação ou omissão do poluidor. Assim, não há falar, em princípio, em necessidade de comprovação de culpa dos ora recorrentes como requisito à responsabilização pelos danos causados ao meio ambiente. [10]

[…]
1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ: RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003.
2. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 07.10.2002.
3. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que “(…) A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambienta!. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades. “É a responsabilidade pelo risco da atividade.” Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nema si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou apraticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações (…)” in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327.
4. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”
[…]
10. Recurso especial desprovido.[11]

O fato é que a prevalências de tais princípios ocasionou mitigação no rigor à concessão de medidas de urgência, quando estas objetivem a proteção do meio ambiente.

A propósito, a doutrina de Edis Milaré é exatamente no sentido de que,

[…] no Direito Ambiental, diferentemente do que se dá com outras matérias, vigoram dois princípios que modificam profundamente as bases e a manifestação do poder de cautela do juiz: a) o princípio da prevalência do meio ambiente (da vida) e b) o princípio da precaução, também conhecido como princípio da prudência e da cautela.[12]

Por estas e por outras, que, prevalecendo dúvida sobre o real perigo que a ação do agente está a significar ao meio ambiente, a jurisprudência vem sinalizando no sentido de que se deve conceder a medida de urgência e obstar o prosseguimento daquela.

Por exemplo, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais têm-se precedentes que revelam a prevalência da precaução, em situações de tal naipe:

Restando demonstrada a presença dos requisitos autorizadores da concessão de antecipação de tutela em ação civil pública, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora (art. 12 da Lei Federal nº 7.347/85), devido se mostra o deferimento de tal medida antecipatória, em especial considerando que em matéria ambiental, vige o princípio da prevenção, que engloba a precaução, já que, em geral, as medidas voltadas à recuperação do ecossistema não permitem o retorno ao estado anterior, justificando-se, por isso, toda a cautela, quando haja a potencialidade de prejuízos ambientais, que devem ser evitados a todo custo. (destaque nosso). [13]

 De se prestigiar o princípio da precaução na pendência de dúvida quanto à ocorrência de dano ambiental em decorrência da construção de empreendimento imobiliária com invasão de área de preservação permanente.
– Presente relevante controvérsia técnica a ser dirimida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, indispensável também o regular prosseguimento da demanda com oportunidade da mais ampla dilação probatória. (destaque nosso).[14]

De fato, é correto o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, na medida em que as normas processuais devem estar alinhadas com os princípios constitucionais.

O entendimento até então sustentado tende a ganhar corpo, na medida em que, como visto no tópico anterior, o novo CPC arrefeceu os critérios para a concessão de medidas satisfativas, dispensando a difícil “prova inequívoca”.

Em assim sendo, as medidas de urgência ou tutelas provisórias em ações civis públicas, ações populares ou outras ações (por exemplo, art. 1277 CC – ação por dano infecto), ainda que satisfativas, podem ser concedidas em se tratando de matéria ambiental, mesmo que haja dúvida sobre a real existência do perigo de dano ambiental.

Aliás, com a instituição da aqui já festejada “tutela de evidência” pelo novo instrumento codificado, tem-se que o perigo de dano será formalmente dispensado, em casos, por exemplo, de “prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável” (art. 309 IV novo CPC).

A título de exemplo, o descumprimento de prévio licenciamento ambiental, documentalmente comprovado, é o suficiente a autorizar o impedimento ao prosseguimento de determinada obra, ainda que não se descortine concreto e efetivo dano. A robustez da argumentação já é suficiente a autorizar ao magistrado a concessão da medida de urgência aqui em estudo, considerando-se, em especial, os princípios constitucionais agora lembrados.

O que se deve ponderar, todavia, é que, seja sob a ótica do Código Processual de 1973 seja à luz do novo diploma, não se pode conceder qualquer medida de urgência ou tutela provisória em ações ambientais sem a mínima prova da plausibilidade do direito invocado. A mera alegação do promovente da medida, sem o mínimo respaldo fático e jurídico, não é suficiente!

Além disto, não se pode deferir medidas deste jaez sem a ponderação a respeito das vantagens e riscos das mesmas. Sim, se o prejuízo ao interesse público advindo de eventual paralisação de obra em desconformidade com regramento ambiental revelar-se intenso, é preferível negar a medida de urgência. De fato, é verdade que o perigo de dano nas ações ambientais pode ser, como regra geral, presumido; porém, impõe-se, de outro lado, verificar se a concessão da medida de urgência é capaz, ou não, de trazer outros tantos danos à coletividade e até mesmo de maior grandiosidade.[15]

É o que se dá, por exemplo, com relação a eventuais loteamentos já constituídos, ainda que em desrespeito a determinadas normas ambientais. Não é razoável o desfazimento das obras urbanas e a desinstalação de famílias, com grave prejuízo social, ainda que olvidado prévio requisito formal. É mais eficaz impor ao agente infrator sanções de outra natureza e até mesmo obrigações de cunho reparatório ou compensatório.[16]

Com a palavra, vez mais, o STJ:

[…]
2. A responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.
3. Em regra, o descumprimento de norma administrativa não configura dano ambiental presumido.
4. Ressalva-se a possibilidade de se manejar ação própria para condenar o particular nas sanções por desatendimento de exigências administrativas, ou eventual cometimento de infração penal ambiental.
5. Recurso especial não provido.[17]

Veja-se, também, que o risco de dano, embora possa ser presumido pela grandiosidade da proteção ambiental, pode também ser infirmado cabalmente. É o caso, por exemplo, em que determinada situação irregular já perdura há longo tempo, não se justificando medida de urgência, de que natureza for. A sentença ao final poderá ser de procedência, mas a provisoriedade das medidas de urgência, analisadas ainda sem o pleno contraditório, não recomenda, a princípio, abruptas intervenções em situações já consolidadas pelo tempo.

Em síntese, pode-se dizer que as ações em defesa do meio ambiente comportam medidas de urgência, desde que observadas a prevalência do interesse público e a mínima plausibilidade do direito invocado.

3 Medidas de urgência em prol do agente acusado de infringir norma ambiental. Objeção a abusos

As medidas de urgência, obviamente, estão à disposição de todos os jurisdicionados, onde se incluem aqueles acusados, algumas vezes injustamente, de causarem dano ou impacto ambiental.

Há situações em que o particular, já ciente, por exemplo, de instauração de procedimento administrativo, percebe que poderá ter seu empreendimento obstado. Outras vezes, em conflitos de vizinhança, poderá ter conhecimento sobre pretensão do vizinho de acusá-lo de ofender o meio ambiente.

Em hipóteses como estas, afigura-se apropriada a conhecida produção antecipada de provas, a fim de que, por meio de tal medida judicial, seja produzido elemento probatório (em especial perícia), que permita registrar, com a maior clareza e contemporaneidade possível, a correção ambiental do empreendimento.

Ora, se é verdade que o princípio da precaução recomenda que o magistrado, mesmo na dúvida quanto à real ocorrência do dano ambiental, conceda a medida de urgência contra o agente poluidor, não menos certo é que este último, exatamente para afastar o risco do aludido raciocínio, pode produzir antecedente prova robusta em sentido contrário. E – repita-se – como ainda não há litígio instaurado, o caminho processual será a sugerida produção antecipada de provas.

A produção antecipada de provas, no Código de 1973, está entre os procedimentos cautelares específicos. Com relação à perícia, o art. 849 daquele Código (1973) a admite se houver “fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação”.

Tal rigor gerou várias decisões de extinção do processo cautelar de produção antecipada de provas, sempre ao fundamento de que o meio probatório procurado poderá ser produzido no processo principal, quando efetivamente instaurado e no momento oportuno.

Não se afiguram tais decisões corretas, eis que, na realidade, é preciso que o processo seja útil e justo e, sobretudo, atento ao comando que exige observância aos comandos que asseguram “razoável duração” do mesmo e a “apreciação pelo Poder Judiciário de lesão e ameaça a direito” (arts. 5º, incs. LXXVIII e XXXV, CF – destaque nosso). De nada adianta a produção de determinada prova no curso do processo principal, se, contudo, a sua ausência ao início do feito autorizou medida de urgência que, por exemplo, paralisou relevante empreendimento. Vale lembrar aqui, vez mais, o princípio da precaução, que sempre se apresentará como uma espada ameaçadora ao empreendedor, seja ele pessoa natural ou jurídica, de direito privado ou público.

Neste diapasão, é valiosa a decisão do STJ no sentido de que

[…] a regra do art. 849 do Código de Processo Civil deve ser interpretada “cum grano salis”, em ordem a não tolher o exercício da ação cautelar a quem pretende, sem a rígida observância do texto, prevenir-se contra situações adversas que por acaso possam surgir.[18]

Agora, o novo Código Processual efetivamente ampliou o leque para a produção antecipada de prova, em especial ao dizer de seu cabimento quando “a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar tentativa de autocomposição ou de outro meio adequado de solução de conflito” ou se “o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação”(art. 378 inc. II e III NCPC).

Não há dúvidas que, abraçando a jurisprudência mais autorizada, o legislador colocou ponto final na discussão. Em outras palavras, para evitar futuros e eventuais conflitos e discussões de cunho ambiental, nada obsta que o interessado ajuíze a ação de produção antecipada de provas.

Por derradeiro, cabe o registro de que a exigência de contracautela não é afastada das medidas de urgência nas ações ambientais. Tal garantia a ser dada pelo autor da medida de urgência, para prevenir o réu quanto aos prejuízos provocados pela mesma, está prevista no art. 804 do CPC/73. No novo CPC a previsão está no art. 298 § 1º.

A previsão se justifica, pois o próprio legislador acentua a responsabilidade civil daquele que promove indevidamente medida de urgência (por exemplo: art. 811 CPC/73 e art. 300 novo CPC). Se é viável o ressarcimento pelo ajuizamento indevido de medida de urgência, nada mais razoável que se exigir do seu promovente uma garantia para tal.

É evidente, porém, que a relevância constitucional da proteção ao meio ambiente não pode ser desmerecida, por meio de imposição de contracautela que a inviabilize, em virtude da urgência ou da precariedade financeira do requerente. Será viável a exigência de caução sim, ante mesmo a ausência de sua exclusão no tocante ao tema em comento, desde que esteja em consonância, sobretudo, com as condições e especificidades das partes envolvidas.

Portanto, em especial para não ficar refém do risco de futuras decisões que possam atrapalhar injustamente seu empreendimento, cabe ao empreendedor o ajuizamento das medidas de urgência cabíveis.

4 Conclusão

O novo Código Processual dá um salto considerável rumo à efetividade dos processos judiciais, em especial no que toca às tutelas de urgência e de evidência. Se é de fácil e simples constatação a demora da prestação jurisdicional, o que acontece como consequência da ausência de investimentos estruturais no Poder Judiciário, nada mais adequado que a prevenção aos danos por meio de instrumentos processuais acautelatórios ou mesmo satisfativos.

Em se tratando de ações ambientais, continuam de extrema valia tais medidas, tanto para a defesa do meio ambiente, que se escora em princípios constitucionais relevantes, como para defesa daquele que é acusado de ser o poluidor.

A ponderação de valores e princípios é tarefa árdua que se impõe ao magistrado. Nesse campo, seja na defesa do empreendimento seja na sustentação do meio ambiente, a bússola que o orientará é o interesse público em suas diversas matizes.

NOTAS:

[1] MARCATO, Antônio Carlos. Código de processo civil interpretado. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 826.

[2] DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno.; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed., rev., ampl. e atual. -. Salvador: JusPodium, 2009, pp. 452, 456, 459, 460.

[3] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 27.

[4] WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: volume 3: processo cautelar e procedimentos especiais. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 37-38.

[5] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa; CHINELLATO, Silmara Juny (Org.) (Coord.). Código civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri (SP): Manole, 2006, pp.616-617.

[6] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo 1.0027.09.180940-3/001. Relator: Des. Alberto Henrique. Minas Gerais, Belo Horizonte, 02 abr. 2009.

[7] SANTIAGO, Edna Ribeiro. Impossibilidade de concessão da tutela antecipada de ofício nos casos de abuso do direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2553, 28 jun. 2010. Disponível em: . Acesso em: 25 fev. 2011.

[8] MARCATO, Antônio Carlos. Código de processo civil interpretado. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 830.

[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1285463/SP. Rel. Ministro Humberto Martins. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 06 mar. 2012.

[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 570194/RS. Rela. Ministra Denise Arruda. Diário de Justiça, Br asília, 12 nov. 2007.

[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 745363/PR. Rel. Ministro Luiz Fux. Diário de Justiça, Brasília, 18 out. 2007.

[12] MILARÉ, Édis. Ação civil pública: lei 7.347/1985: 15 anos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.243.

[13] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 1.0713.13.006538-4/001. Rel. Des. Elias Camilo. Minas Gerais, Belo Horizonte, 27 abr. 2014.

[14] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 1.0693.11.009793-0/003. Rel. Des. Versiani Pena. Minas Gerais, Belo Horizonte, 21 mar. 2014.

[15] O TRF da 4ª Região, ao julgar a apelação cível nº 2003.72.00.004185-0, decidiu que “é regra a supremacia do meio ambiente nas situações em que haja efetiva configuração do fato consumado. Contudo, esta diretriz pode ser relativizada, como no caso concreto, quando verificado que a paralisação e demolição da obra não surtirá benefício algum ao meio ambiente e, ainda, que o dano ambiental é bastante reduzido (supressão de restinga em imóvel com medidas perimetrais de 30,00 m de frente a leste e 60,0m nas laterais. (grifo nosso). (TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, Terceira Turma. Rel. Luiz Carlos de Castro Lugon. DJ 04/10/2006).

[16] Também há precedente do Eg. TJSC no sentido de que é impossível suprimir a concessão de serviços essenciais à população que promoveu a edificação em APP. Veja-se:

“No caso em apreço, ante as condições que se apresentam – a degradação praticamente completa daquela localidade e, consequentemente, a impossibilidade de reversão ao status quo ante – a reparação indireta do dano ambiental, por meio de indenização pecuniária, mostra-se a única medida possível a ser tomada pelo Poder Público.
Com efeito, o fornecimento de energia ou a sua recusa à impetrante em nada vai alterar e/ou contribuir para a degradação/preservação ambiental daquela praia, mormente porque, como já destacado, há várias outras casas construídas na Praia de Morrinhos e todas com energia elétrica. É, pois, desprovido de fundamento lógico a recusa ao fornecimento de energia à residência da impetrante”.

Ao proferir seu voto, o i. relator destacou que “há o relevante fato de que o imóvel está localizado em loteamento quer foi aprovado pelo Poder Público local, isso significando que os adquirentes dos lotes se instalaram e edificaram no local sob a chancela da Administração, cujos atos desfrutam da presunção de regularidade e legalidade. Negar a essas pessoas o uso e gozo pleno da propriedade, representa insensata quebra aos princípios da confiança e da boa fé objetiva que devem permear as relações entre a Administração e os administrados”.

E, mais adiante, complementou S. Exa. que “não significa isso que o Judiciário estadual esteja chancelando a ilegalidade em ordem a consentir com a ocupação e a construção em áreas onde isso é vedado pela legislação ambiental. O que se quer dizer é que, em face de situações irregulares, assiste o direito ou cumpre ao Poder Público, nisso compreendido o Ministério Público, empreender as medidas necessárias à preservação da autoridade da lei, ainda que sejam drásticas como a demolição de construções. Contudo, enquanto isso não se fizer, é desarrazoado e, até mesmo, atentatório à dignidade humana, suprimir, de modo linear, dos ocupantes ou moradores dessas áreas o direito de usufruir de um serviço absolutamente indispensável como o é o fornecimento de energia elétrica”. (grifo nosso). (TJSC, AC 2007.052472-1. Rel. Des. Rui Fortes. DJ 22.05.2009).

[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1140549/MG. Rela. Ministra Eliana Calmon. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 14 abr. 2010.

[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 50492/SP. Rel. Ministro Antônio Torreão Braz. Diário de Justiça, Brasília, 15 maio 1995.

REFERÊNCIAS

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 4ª Região. AC nº 2003.72.00.004185-0. Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon. Diário da Justiça Federal, Porto Alegre, 04 out. 2006.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1140549/MG. Rela. Ministra Eliana Calmon. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 14 abr. 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1285463/SP. Rel. Ministro Humberto Martins. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 06 mar. 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 50492/SP. Rel. Ministro Antônio Torreão Braz. Diário de Justiça, Brasília, 15 maio 1995.

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DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno.; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed., rev., ampl. e atual. -. Salvador: JusPodium, 2009

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa; CHINELLATO, Silmara Juny (Org.) (Coord.). Código civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri (SP): Manole, 2006

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MILARÉ, Édis. Ação civil pública: lei 7.347/1985: 15 anos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 1.0713.13.006538-4/001. Rel. Des. Elias Camilo. Minas Gerais, Belo Horizonte, 27 abr. 2014.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 1.0693.11.009793-0/003. Rel. Des. Versiani Pena. Minas Gerais, Belo Horizonte, 21 mar. 2014.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo 1.0027.09.180940-3/001. Relator: Des. Alberto Henrique. Minas Gerais, Belo Horizonte, 02 abr. 2009.

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. AC 2007.052472-1. Rel. Des. Rui Fortes. Diário Oficial do Estado, Florianópolis, 22 maio 2009.

SANTIAGO, Edna Ribeiro. Impossibilidade de concessão da tutela antecipada de ofício nos casos de abuso do direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2553, 28 jun. 2010. Disponível em: . Acesso em: 25 fev. 2011.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: volume 3: processo cautelar e procedimentos especiais. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

AUTOR:

NOGUEIRA, Luiz Fernando Valladão. Advogado, Professor de Direito Processual Civil, Procurador do Município de Belo Horizonte.