À luz do Novo Código de Processo Civil, que regulamenta novo procedimento para Ações de Dissolução Parcial de Sociedade, os haveres do sócio retirante deverão ser apurados com data-base fixada sessenta dias após a notificação da empresa acerca de sua intenção de se retirar.
Luiz Fernando Valladão Nogueira
Fernando Gualberto Scalioni
Dentre os inúmeros avanços previstos no Novo CPC (Lei 13.105/2015), um em especial vem para por fim a uma antiga, e perigosa, controvérsia no campo do Direito Empresarial: a fixação da data-base para apuração dos haveres do sócio que, exercendo seu direito de retirada, ingressa em juízo com Ação de Dissolução Parcial de Sociedade.
Isso porque até hoje tal procedimento é regulamentado pelo derrogado Código Processual de 1939, legislação vetusta e obsoleta frente aos conflitos societários quotidianos. Sim, o legislador de 1973 deliberadamente deixou de abordar o tema, fazendo constar, no art. 1.218, VII, do Código atualmente vigente (Lei 5.869/73), a determinação de que, com relação à dissolução de sociedade, ainda vigoram as disposições do antigo Dec-Lei 1.608/39.
Especificamente com relação à questão da data-base, o Código de 1939 é absolutamente silente, ficando a cargo da literatura jurídica e dos próprios Tribunais a elaboração dos critérios para o enfrentamento do tema. Nesse contexto, em decorrência de tal vácuo legislativo, surgiram duas correntes: uma defendendo a fixação da data-base no momento da quebra da chamada affectio societatis, ou seja, quanto o sócio efetivamente manifesta o interesse de se retirar da sociedade, e outra defendendo como marco para apuração de haveres a data do trânsito em julgado da sentença dissolutória.
Perceba-se a relevância do tema. O sócio que intenta retirar-se de um empreendimento ainda detém uma fatia do mesmo, correspondente a uma fração ideal do patrimônio líquido da sociedade. E é por meio da fixação da data-base para apuração de haveres que se determina a data em que o valor de tal fatia será aferido, levando-se em consideração, obviamente, o patrimônio da sociedade naquele momento definido. Trocando em miúdos, em dissolução de empresas lucrativas ou deficitárias, o deslocamento indevido dessa data-base, para o futuro ou para o passado, significa imputar ao sócio retirante lucro ou prejuízo a que não faz jus, reduzindo-lhe ou aumentando-lhe indevidamente os seus haveres.
Nesse sentido, a existência de duas linhas de pensamento tão distintas acerca do marco para tal apuração gera enorme insegurança jurídica para os envolvidos, ainda mais se levado em conta que um processo desse calibre, na atual situação do Judiciário, pode levar décadas para atingir o trânsito em julgado.
Pior, tem se tornado comum a ocorrência de fraudes societárias decorrentes da fixação da data-base no momento do trânsito em julgado da sentença dissolutória, eis que os sócios remanescentes, muitas vezes, aproveitam-se da longa tramitação do processo para dilapidar o patrimônio da sociedade, aplicando-o em outros empreendimentos particulares para, maliciosamente, dividir o prejuízo da quebra da empresa dissolvida com o sócio retirante.
Ante tais fatos, vem o STJ, corretamente, decidindo que “a data-base para apuração dos haveres coincide com o momento em que o sócio manifestar vontade de se retirar da sociedade” (REsp 646.221, Min. Nancy Andrighi), entendimento, porém, sem qualquer efeito vinculante com relação às instâncias inferiores, as quais ainda aplicam, muitas vezes, o marco determinado pelo trânsito em julgado da sentença dissolutória.
Afortunadamente o legislador do Novo CPC atentou-se para tal questão, inserindo, no código que vigorará a partir de Março/2016, dentre os chamados “procedimentos especiais”, um novo e mais atual procedimento para as Ações de Dissolução Parcial de Sociedade. E, com relação à data-base, a nova lei sepultará, finalmente, a controvérsia hoje existente.
Determina o art. 606 do Novo CPC que, se for silente quanto ao tema o contrato social, caberá ao juiz a fixação da data-base “tomando-se por referência a data da resolução da sociedade”, ao passo que o art. 605 estabelece que tal resolução, nos casos de exercício do direito de retirada, dá-se no “sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante”.
Ou seja: a partir da vigência do novo Código, os haveres do sócio retirante deverão ser apurados com data-base fixada sessenta dias após a comunicação formal do mesmo no sentido de deixar a empresa, fulminando-se eventuais entendimentos divergentes. Com tal disposição, aquele que se retira voluntariamente de uma empresa não mais ficará sujeito, no aguardo do trânsito em julgado da sentença dissolutória, a arcar com eventuais prejuízos da sociedade posteriores à sua efetiva saída, muitas vezes causados deliberadamente, por fraude, pelos sócios remanescentes.
Dessa forma, andou muitíssimo bem o legislador ao assim dispor, eis que, por meio desses novos critérios, a apuração de haveres nas Ações Judiciais desse jaez corresponderá a mais lídima justiça: aquele que se retira de uma sociedade fará jus ao quinhão que lhe é de direito no momento de sua retirada, nem mais, nem menos.
Em um meio tão repleto de incertezas como o empresarial, qualquer novidade que traga acréscimo de segurança jurídica é sempre algo a ser comemorado.